segunda-feira, 29 de setembro de 2014



          "  Par coeur  "


Je sais par coeur mille chansons vieillotes
et des vers sublimes de poeètes inconnus
je sais par coeur des noms de villes perdues
des noms de femmes aimées des noms peu communs
des noms propres avec de grandes initiales brodées
je sais par coeur de vieux airs de danse
et des chants d'amour qui mouillent les yeux

je sais par coeur des mots rares oubliés
dans les pages jaunies d'un dictionnaire
des mots qui souffrent de solitude et d'abandon
je saia par coeur des choses qui ne servente à rien
des phrases inutiles laissées à la porte
comme des feuilles mortes que le vent emporte

je sais par coeur des heures de joie pure
et des moments de détresse que l'on efface
quando vient le muguet du mois de mai
je sais par coeur mes absences et mês douleurs
je sais tout ce qui me hante et me ruine

je sais par coeur aussi de lumineux parcours
des chemins enchantés qui mènent à l'extase

je sais par coeur toutes les courbes de ton corps
ses failles ses clartés ses ombres et ses doux lavis
je te connais per coeur et même sans mémoire
je t'aime encore et toujours
pour finir en beauté cette dernière rengaine



  Giguère, Roland. Les cent plus beaux poèmes québécois. S/c.: Biblio - Fides, 2013, p. 108 (Une anthologie préparée par Pierre Graveline).
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sábado, 27 de setembro de 2014







                          Para o Victor Mateus


És um navegante solitário.
Cartografas com precisão
todos os vórtices.
E deixas que uma luz coada
entre no convés, pela escotilha,
para esqueceres como são brutais
e longas as cordas da noite
quando recolhes os despojos
dos naufrágios mais secretos.



      Pires, Graça. Espaço livre com barcos. Macedo de Cavaleiros: Poética Edições, 2014, p 39.
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Habituada ao luto, sou irmã dos náufragos.
Penduro todas as noites a minha lanterna
de lata cheia de óleo, acendo o pavio
e digo uma oração nesse lugar sagrado
onde as enormes ondas em volta do leme
são cortantes como facas afiadas nas escarpas.
Conheço bem o mar inquieto naquelas horas
em que os barcos esquecem o caminho para o cais.




    Pires, Graça. Espaço livre com barcos. Macedo de Cavaleiros: Poética Edições, 2014, p 29.
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sexta-feira, 26 de setembro de 2014





     " Poema para um tempo depois "




                              para Donizete Galvão, in memoriam






Sento-me no murete da praia,
na esquina mais áspera da Marginal:
o trânsito - revolto - mistura-se
com a dança sincopada das gaivotas,
com o estridente desnorte
das andorinhas-do-mar
e com esta ausência num cais
de esplanadas desertas,
onde os barcos ainda se anunciam
despovoados de carga e de gentes.


Sento-me nas dobras enegrecidas
da memória com o olhar férvido
dos motoristas a vigiar-me,
com os dedos ensanguentados
num folhear de esperas há muito
sem sentido. Sento-me e a tarde
abre-se-me num apático vaguear
de fluidas silhuetas, com a premência
deste sol a abater-se sobre mim
repleto de promessas - mas podre.




                     


Mateus, Victor Oliveira. Outras Ruminações, 75 poetas e a poesia de Donizete Galvão. São Paulo: Dobra Editorial, 2014, p 114 (Antologia organizada por: Reynaldo Damazio, Ruy Proença e Tarso de Melo).
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terça-feira, 23 de setembro de 2014







 " La beauté des visages ne pèse pas sur la terre " (Extraits)

nos mains sont chaudes, il suffit d'exister
les aiguilles de l'horloge se sont arrétées à huit heures
     trente-quatre
nous avons vagabondé pieds nus dehors
nous nous sommes assis à l'entrée de la cour
a la fin de l'été nous a laissés aveugles, sans hâte
     ni inquiétude
j'ai caressé l'énigme de ton visage et maintenant
     tu dors entre mes jambes
les étoiles qui vont mourir dans le grand vide n'auront
     jamais connu la peur
(...)
plusieurs impressions surgissent en même temps
les nuages prennent des formes différents
tu me touches pendant que je parle
il y a le nombre des années autor de la terre
il y a la voix étrangère là où nous sommes
nous entrons à la maison, j'allume une lampe,
     la table est nue
parce que je t'aime tout devient pur
(...)
je vois la fin du jour
j'échappe mon argent au milieu de la route
le peu qui nous protège se transforme à chaque seconde
tes rires et tes larmes sont passés en moi
un dernier mot nous sépare
je baisse les paupières pour vivre seulement ici,
     pour avancer
autor de moi je découvre la faiblesse aveugle
     de la terre
(...)
le trottoir a été déblayé
je chiffonne un morceau de papier, je le jette
nous pouvons rester de longues heures au même endroit
au loin le chemin s'embrouille
les toits sont du silence
notre haleine tombe dans l'oubli
j'aurai senti près de moi cet événement fragile
     et sans défaut


  Charron, François. Les cent plus beaux poèmes québécois. S/c.: Biblio - Fides, 2013, pp 40 - 41 (Une anthologie préparée par Pierre Graveline).
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domingo, 21 de setembro de 2014


...     ...    ...    ...    ...

Há um carril de ferro interno
Numa carta hebraica que arde
À boca de uma urna os sinos tocam a finados interminavelmente

Levam à morte todos os caminhos
Que uma mão pesada escreveu num mapa
Sem paz vêm do fundo dos sinos os sons do desespero

Que dor inconsolável
Todos os dias a saldar a dívida ética sem amortização
Quantos fios do talih têm de ser cerzidos nos tribunais!
O futuro é um campo de ruínas
As ruínas são campos sem almas
Cemitérios que excedem a terra

Num excesso de malevolência carbonizaram as pétalas de rosa
Que Etty Hillesum trazia ao peito numa grinalda

As portas dos fornos que se abrem e fecham
Sâo o campo magnético deslocado do centro da terra
Para os campos de extermínio
Que atraíam a si pais e filhos e irmãos e cunhadas

Vede a administração de um destino maquinado ao pormenor
Nem um único dente escapou fora de uma boca

Repousam sobre as lajes
Sob o céu
As mães que não tiveram repouso
Repousam nos campos
Dos para sempre nunca absolvidos

...     ...    ...    ...     ...


 Aguiar, Isabel. Requiem por Auschwitz. S/c.: Editora Licorne, 2014, pp 28 - 29.
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quinta-feira, 18 de setembro de 2014



                      "  A vida  "


                                   ouvindo Jane Birkin



tudo não passa
de uma planta que se fecha
em si mesma

no bico
do canário

dentro
da gaiola

numa varanda
chuvosa
bem longe de Tóquio.


      Chioda, Leonardo. Tempestardes. São Paulo: Editora Patuá, 2013, p 101.
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quarta-feira, 17 de setembro de 2014





       "  Evoé  "




o sexo do poeta e o não.
privilégio da cidade. fado.
vida num turbilhão. quatro horas
de eternidade. fazer amor com o poeta
é morar no êxtase. permitir a tempestade.


depois do vinho
a varanda será diferente.


saciadas as dores
até o tutano. pontes entre os olhos,
os vidros marrons. a convergência
da boca e do suor. fazer amor com o poeta
é reinventar o êxtase.


depois do vinho
os livros serão outros. papéis de carne
sob minhas mãos.


fazer amor com o poeta. sexo
palavra e ápice.




   Chioda, Leonardo. Tempestardes. São Paulo: Editora Patuá, 2013, p 42.
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terça-feira, 16 de setembro de 2014





   "  À singela botânica dos sonhos  "




e não há nada, queridos,
tão complicado tão doce
quanto reavivar um amor
o mesmo que abrir o sol
na tarde velha e chuvosa
quando a dificuldade vem
a ser um vento em passo
falso n' água erguer seco
o corpo, o olho se pondo
a te Bachelard no original
ostentando nova cicatriz
tecendo o novo epitáfio
ao som do sangue solar
no livro feito de hibisco
uma íris talhada no lodo


e não há nada, queridos,
tão nobre quanto mitificar a tempestade




   Chioda, Leonardo. Tempestardes. São Paulo: Editora Patuá, 2013, p 32.
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segunda-feira, 15 de setembro de 2014



Dizia-me: temos asas que despontam impacientes
e julgamos nós que são asas de condor
quando na verdade são míticas asas de cera...

Mas quê! A ambição é um labirinto de ruelas escuras,
queremos, insanos, roubar os céus aos pássaros,
abraçar os astros como quem abraça os amigos
e fugir, fugir para sempre desta ilha circular...

Porque somos filhos de Dédalo,
o nosso fim é o mar...


     Assim, Paulo. Árvore Genealógica. Fafe: Editora Labirinto/ Núcleo de Artes e Letras, 2014, p 58.
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domingo, 14 de setembro de 2014





Não te esqueças - dizia-me a minha mãe -
de estender os teus poemas na varanda:
fechados, ganham ferrugem e não soam muito bem aos ouvidos;
fechados, tilintam conforme metais impuros das metalurgias
e têm a cintilação embaciada de zebre das estrelas longínquas.
Fechadas, as palavras amolecem e pegam-se umas nas outras,
tornam-se difíceis de articular, enrolam-se na mecânica
das línguas.
Fechadas, em vez de leres liberdade lês obscuridade
e em vez de leres amor lês bolor.
Eu sei, mãe, eu sei.
As palavras querem-se ao sol.
A poesia quer-se ao vento.




   Assim, Paulo. Árvore Genealógica. Fafe: Editora Labirinto/ Núcleo de Artes e Letras, 2014, p 36.
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quinta-feira, 11 de setembro de 2014



      "  Vizinhança  "

Ao tocares o troféu
logo o brilho se azinhavra.
Sequestrasses uma estrela
e terias entre os dedos
um arcabouço de lata.
Tira do castelo o amado
perderá coroa e cetro.
Melhor deixar o troféu
nas prateleiras do Olimpo.
Fique a estrela na galáxia.
Em nuvens se hospede o amado.
Qualquer vizinhança avilta
e apodrece os objetos.
Com o divino, o longínquo
tem parte. Só o impossível
partilha hálito celeste.


    Cabral, Astrid. 50 Poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2008, p 84.
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quarta-feira, 10 de setembro de 2014



     " Matéria do Presente "




O passado é o abstrato
oceano por onde navego
remando contra a corrente
no à deriva dos anos.
As recordações? Perdidas
ilhas em que munida
de sobrevivente fúria
aporto e zás transformo
em extensos continentes
boiando no abismo do tempo.


       O passado é porta
       que não mais se abre:
       além os estáticos aposentos
       totalmente intocáveis.
       Recordações? Reconstruções
       de retardada sabedoria?
       Simples matéria do presente
       - atuais tentativas contra
       a maçaneta resistente.


Não mais acalento o amanhã
chão de esperanças plantado.
Em obscuros prazos e rasos
destinos o futuro esgotará
a vida embrulhando-se de luto
entre outras lindas lãs.
Meu reino o íngreme presente
onde no abismo me equilibro
vacinada contra a sede do sempre.
Frágil, efêmera e contudo viva.


      Se o amanhã não me pertence
      negando-me o vasto regaço
      minha é a manhã em que planto
      e canto e verto meu pranto
      com a dimensão deste corpo
      pulsando em louvor do instante.
      Manto de sombras, descarto
      a noite morta a meu ombro.
      O que é meu é tão só o agora
      provisório jardim onde o sol
      mora como se fora eterno.




     Cabral, Astrid. 50 Poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2008, pp 17 - 18.
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terça-feira, 9 de setembro de 2014



gosto de histórias que não se contam. de testemunhas
mudas. um sopro no ouvido. um arrepio na pele. a
deriva dos olhos. o pensamento vadio.
só acredito no tempo que não se faz de horas mortas.
no espaço onde o valor não é matéria. na emoção que
corre livre.
o meu pensamento contra a corrente. outra vez doce.
outra vez nascente. vocação de água que não apaga
fogos mas ateia sedes.


    Quintela, Maria José. Pertence à água a escolha dos náufragos. Lisboa: Chiado Editora, 2014, p 127.
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segunda-feira, 8 de setembro de 2014





esperei a noite toda que viesses desfrutar o perfume das
palavras. ver como elas crescem e cheiram bem. e te
falam de mim. por entre o desequilíbrio de um texto
ébrio sem bermas. bem sei que não tenho seguro de
morte. nem livre trânsito para galgar assim terrenos
alheios. o despiste é garantido. mas a culpa é de ter
nascido numa noite de estrelas cadentes sem que um
desejo fosse invocado. por isso eu deambulo pelas
noites dentro. espio as estrelas. mendigo um desejo.
espero por ti. naquele canto mais escuro onde me
fustigas com a tua falta de sede. mas nenhuma noite é
bastante extensa. invariavelmente invade-me a vontade
de partir e mudar de terra.
um destes dias mudo as palavras de vaso.




  Quintela, Maria José. Pertence à água a escolha dos náufragos. Lisboa: Chiado Editora, 2014, p 35.
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domingo, 7 de setembro de 2014





Nunca chamei algo pelo seu próprio nome
Sequer retratei meus contemporâneos
Evadido dos princípios regressei à sobrevivência
Agora assumo a promessa dos meus punhos
A canção derradeira do estremecimento
Outra vez somos o colapso e o instante
                                   Um abismo que sabe chorar
Para largamente desaprender as posturas
                                        As conveniências
Ser todo brutal forasteiro sempre
Beijar o terrível sorriso do idiota
                         Nunca chamei algo por nome algum
Hesitei em estabelecer qualquer saída
                  Sou a duração da espera oblíqua
O semblante do tempo que falta
Ao giro ausente da próxima manhã


      Bueno, Danilo. Uma Confissão Na Boca Da Noite. São Paulo: Editora Córrego, 2013.
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