terça-feira, 28 de junho de 2016


      "  La Soledad  "


La soledad no es estar sola,
como la libertad
no son las alas que consiguen
volar al infinito, proclamarse
sin ninguna atadura,
dueñas del viento, de la luz.

No. No es eso.

Es algo más profundo y trascendente
que está dentro de ti
y te hace sola o libre como una
naturaleza únicamente tuya
que te va construyendo poco a poco
libre, sola, sin más intervención que tu conciencia.


Gatell, Angelina. La Oscura Voz del Cisne. Madrid: Barleby Editores, 2015, p. 53.
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segunda-feira, 27 de junho de 2016



     " Invisibilidad  "


Basta mirar alrededor sólo un instante
para ver que no estoy.
                                 Quizá pasé
apenas perceptible, irresoluta,
disgregada de mí, como esa nube
rosada y gris que cruza el aire
buscando
no sabe qué y sólo encuentra
su oceánico vacío y unas alas de cera
destruidas por el fuego o la ira.

Sin embargo, mis sueños parece que aún sonríen
desde lo más profundo de mi ausencia,
en donde nadie
alcanzó a verme nunca.

Y sin embargo, estaba allí. Creedme.


   Gatell, Angelina. La Oscura Voz del Cisne. Madrid: Bartleby Editores, 2015, p. 50.
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sábado, 25 de junho de 2016


                    “Palimpsesto” de Ricardo Gil Soeiro lido por Victor Oliveira Mateus
    

     Palimpsesto, o novo livro de Ricardo Gil Soeiro, apresenta-se como uma tetralogia composta por quatro textos: Da Vida das Marionetas (2012), Bartlebys Reunidos (2013), Comércio com Fantasmas (2014), Anjos Necessários (2015: estas datações correspondem à escrita dos livros, já que os dois últimos textos são inéditos, logo, aparecem agora pela primeira vez). Estamos, pois, perante uma sequência de obras, onde apesar de cada uma delas se apresentar como um texto autónomo, não deixam, contudo, ao nível de certos temas e imagens, de remeter umas para as outras. O ponto de partida deste projeto radica na tese de que não só todo o texto, enquanto objeto, se encrusta em outros que o antecederam, mas também o sujeito da leitura é ele próprio um ser formado por camadas textuais que a memória cultural nele foi depositando. Constatamos, assim, a interconexão de três territórios fundamentais, núcleos a partir dos quais todos os temas destes livros vão emanando: a relação dialógica memória/esquecimento, a temporalidade e o texto, entendido este numa asserção dual, ou seja, o texto enquanto conjunto de signos que ordenados segundo dado código esperam na página o olhar do leitor ou o texto do mundo, de acordo com a tradição que vai dos Pitagóricos a Einstein passando por Galileu,  Durkheim e tantos outros. O texto, seja qual for a forma pela qual se apresente, acaba consentindo a decifração do anteriormente rasurado (Cf. Teses sobre uma Poética Palimpséstica, I, p. 7  ) e é nessa dialética entre o oculto que, por lampejos, consente em se ir abrindo e o que se assume como novo a inscrever, que se instaura uma tríade que transpassa todo este livro de Ricardo Gil Soeiro: o amar a partir dos textos que nos enformam, a aprendizagem do desejo e o iniludível recomeço na eterna invenção do mundo (Idem). O texto, ou os textos, essa tessitura que fazemos – e da qual somos feitos  – desmembra, nesta perspetiva do poeta, a encumeada visão maioritária no Ocidente de uma criação a partir de uma palavra originária, aqui Toda a palavra é já um início tardio. Escrever é desmantelar a quimera da origem, desmascarar a fábula do inaugural. (Cf. Teses sobre uma Poética Palimpséstica, IV, p.  8  ). Estamos, por conseguinte, ante um solo de latências, de uma infindável arte polifónica, de ecos, ante um solo de onde foram varridos de vez os caracteres definitivos, as certezas positivas, os absolutos caracterizáveis a preceito. O eu-poético, nesta tetralogia, está só, só mas de olhar interrogante e lúcido, só numa melancolia e num desalento estruturais – atitudes por vezes, poucas, entrecortadas pela ironia ou pela frontal assunção da máscara –  que ele jamais cede, pois é deles, e da incerteza que eles veiculam, que não só a recusa das massas, mas sobretudo uma sabedoria outra serenamente se instauram (Cf.  Ricardo Gil Soeiro, A Sabedoria da Incerteza, 2015, pp. 18 – 19).
     São as epígrafes luzeiros que acicatam o desejo do leitor e, ao mesmo tempo, fogachos que nos entreabrem o sentido do texto. Assim, se no início da obra, Ricardo Gil Soeiro cita um excerto de Maria Gabriela Llansol (in O Livro das Comunidades. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1999, p. 57) para que nos surja clara a visão do Palimpsesto enquanto sobreposição de camadas textuais e a relação destas com o olhar de quem sobre elas se debruça, já no final deste livro o poeta não esquece os dois outros territórios fundamentais por mim referidos acima: a relação memória/esquecimento e a temporalidade. O texto aqui citado por Ricardo Gil Soeiro, integrou-o Baudelaire nas suas Visões de Oxford, que, por sua vez, formam um capítulo de Paraísos Artificiais. Baudelaire começa por defender que o cérebro humano não passa de um palimpsesto onde as camadas de ideias, de imagens, de sentimentos se depositam umas sobre as outras e que as mais recentes jamais conseguem sepultar completamente as que as antecederam. Conclui o poeta francês: “Sim, leitor, inúmeros são os poemas de alegria ou de desgosto que se gravaram sucessivamente no palimpsesto do vosso cérebro (…). Mas à hora da morte, ou na febre, ou nas indagações do ópio, todos esses poemas podem reganhar vida e força.” (Cf. Charles Baudelaire. Paraísos Artificiais. Lisboa: Editorial Estampa, 1971, pp. 154 – 156, Tradução de José Saramago).
      Em Da Vida das Marionetas, primeiro volume desta tetralogia com título retirado do filme homónimo de Ingmar Bergman, colocam-se enfaticamente as inquietações do eu-poético, que, todavia, não serão esquecidas nos livros seguintes. O poema 12., que dá título ao volume, desvela exatamente a questão da incomunicabilidade (Cf. também poemas 19 e 20) e do desalento dela derivada (Cf. poemas 7 e 23), dito de outra forma: há no eu-poético uma incapacidade estrutural de conjugar o conteúdo da ação com o instituído ou por um desejo seu ou por uma solicitação de outrem. A consciencialização destas frustrações será um dos fundamentos da melancolia (Cf. poemas 13, 15, 24), que não é sinónimo de infelicidade: “Por vezes é assim: esqueço-me / que permaneço fantoche cativo, / eternamente condenado a cruéis / caprichos de frágil demiurgo. (…) / Vejo a minha solidão e sou feliz.” (Cf. 1/28, a partir daqui indicarei sempre esta nomenclatura, pertencendo o primeiro número ao respetivo volume da tetralogia e o segundo ao poema nela aludido). O eu-poético neste livro, por conseguinte, não é mais do que uma marioneta cismando no seu destino, nas suas falhas e incapacidades: “Melhor seria render-me às evidências: / serei para sempre vago boneco de madeira, / oscilando no volátil trapézio do destino. / Com lábios emprestados / e pele improvisada, / vê como me elevo no ar, / representando cenas decerto / usurpadas da mente de um poeta. / E, no entanto, confesso que, / por vezes, queria ser humano: / (…) / Mas as coisas são como são e, / assim, aceito, de bom grado, / o papel que me destinou o universo:” ( Cf. 1/24); vê-se neste exemplo que, sendo a melancolia e o desalento sentimentos predominantes na marioneta enunciadora de desejos e ações, isso não obsta a que em dados momentos – poucos – ela não descambe numa certa aceitação da sua natureza de bonifrate pedindo meças ao destino que lhe coube em sorte. Também urge considerar a relação desta marioneta com o titereiro e com o palco onde todas as ações se desenrolam: “O palco agora está deserto. / Ainda frescos os despojos, as cicatrizes abertas pelo medo. / Parece mais verdadeiro assim: / de esqueleto nu, à vista de ninguém. / Ainda há poucos instantes insólitas / falas faziam vibrar a tua boca movediça” (Cf. 1/23). O hiato existente entre a marioneta e a plateia acabará cimentando a incompreensão desta e a prudência daquela: “Querias saber em que pensa uma/ marioneta quando está sozinha,/ afastada das luzes da ribalta./ Acautelo ciosamente os meus/ segredos bem guardados… “ (Cf. 1/8), contudo, ao mesmo tempo, esse hiato atirará a marioneta para uma atitude ambígua relativamente ao titereiro, quer desejando as suas mãos porque vivificantes e cénicas, quer temendo-as ou desprezando-as devido a todos os processos de nadificação a que tão habituadas estão e pelo cheiro a túmulo que sempre acabam trazendo: “Por vezes, reconheço, é difícil viver assim/ à mercê dos caprichos da plateia./ À deriva num teatro às escuras,/ esquecida a um canto,/ aguardo pacientemente pelo túmulo/ que em breve serão as tuas mãos./ Parecem troçar de mim:/ mas que sabem eles do meu mundo?” (Cf. 1/11).
       Todo este primeiro volume está eivado de epígrafes ou títulos de autores, que, em dado momento da sua obra, abordaram o mundo das marionetas:  Bergman, Klee, Kleist, Borges, Kateshi Kitano…  Mundo esse onde o eu-poético decide vestir a pele de um protagonista, que mais não é do que um mero invólucro de som, luz e gestos (Cf. 1/10) , aliás, não é por acaso que o subtítulo do livro é: Para uma Dramaturgia do Corpo Inanimado, no entanto, desiluda-se quem pensa que Ricardo Gil Soeiro decidiu encerrar a sua escrita poética num cultismo hermético e autossuficiente, estamos antes perante uma tessitura de metáforas e, até mesmo, de parábolas, geralmente com funções ilustrativas, mas, por vezes também, com uma função normativa implícita, procedimentos esses que subtilmente interrogam o mundo concreto dos homens nas suas vertentes existenciais e históricas, interrelacionais e, até mesmo, Éticas e Ontológicas: “Quem obedece a quem?/ Esta é a pergunta que deixamos/ a reverberar em surdina, / como um sonho lento/ sobre o qual nada diremos. “  (Cf. 1/18) e é esse mundo concreto, marcado pelo absurdo, pelo inautêntico e pelo desumano, que estabelece, logo no início do livro,  o que irá ser o itinerário do eu-poético: “Não./ Não me tentam sereias,/ deuses ou centauros./ E até já me fartei do falso brilho/ de vampiros e fantasmas./ O que eu queria mesmo era/ transformar-me em extravagante marioneta” (Cf. 1/1). Chegados ao fim deste primeiro texto percebemos que aquele querer foi concretizado e que a sua missão chegou a bom porto.
      Em Bartleby Reunidos, volume dois desta tetralogia, parte-se do texto Bartleby o Escrivão de Herman Melville que narra a história de um advogado que decide acrescentar um funcionário aos dois outros que já detém. Este advogado, que, desde a juventude, adquiriu a profunda convicção de que o modo de vida mais fácil é o melhor (Cf. Herman Melville, Bartleby o Escrivão, 2009, p. 18) vê-se, subitamente, envolvido numa série de incidentes com o seu funcionário recém admitido, este, de início, ainda produziu uma enorme quantidade de escrita (idem, p. 31), mas logo se entrega a uma estranha indiferença perante tudo o que o cerca e a todas as perguntas ou escolhas respondia invariavelmente: “preferia não o fazer”. A partir daqui as vidas do advogado e do seu escrivão multiplicam-se numa série infindável de acontecimentos que irão desembocar no encerramento de Bartleby na Penitenciária (Cf. idem, ibidem, pp. 76-83). A própria morte de Bartleby ocorre de modo silencioso, distante e à margem do turbilhão. Não deixa de ser interessante assinalar  aqui a afinidade desta morte com o modo como, num romance de Michel Tournier ,Os Meteoros ,os gémeos dormiam: unidos e em posição fetal, há em ambos os casos não só uma estratégia de recusa da conformidade, mas também um certo desejo fusional, uma vontade de apaziguamento através da negação e da morte. A presença analítica e crítica do Não, assim como a consciencialização da Morte como dadora de sentido à efemeridade da vida ou como insofismável presença adstrita à melancolia atravessam também esta tetralogia de Ricardo Gil Soeiro (Cf. 1/10, 1/25, 2/10, 2/14, 3/5…), e na acalmação do eu-poético, que nos outros dois autores  aparece expressa por uma simbólica uterina: a terra e o sono,  joga agora nesta tetralogia um papel semelhante mas através das imagens protetoras: do casulo (Cf. 2/9, 2/11, 2/24), do ninho alugado (Cf. 3/19) e da placenta livre como esconderijo predileto (Cf. 3/24),  do retiro de sombras (Cf. 4/6).
      A figura do Bartleby de Melville seria depois retomada – e retocada – por vários outros autores, dos quais destacamos Enrique Vila-Matas com a sua obra Bartleby & Companhia, onde um narrador decide inventariar escritores e/ou personagens padecentes da síndrome de Bartleby, ou seja, todos aqueles que por um motivo ou outro renunciaram à escrita como forma de a poderem afirmar. A obra de Vila-Matas consta então de um infindável conjunto de notas de rodapé onde as razões justificativas do Não desses escritores são explicitadas. Nesse escaparate da Literatura do Não podemos encontrar uma diversidade de casos desde Rimbaud (Cf. Enrique Vila-Matas, Bartleby & Companhia, 2001, p. 24), e Hart Crane (idem, p. 47) até Juan Ramón Jiménez (idem, ibidem, pp. 135- 137). Estes livros, quer o de Vila-Matas quer o de Ricardo Gil Soeiro, e já que estamos falando de palimpsestos, podem ser entendidos como um alerta e, até mesmo, como uma tomada de posição relativamente ao estatuto e futuro  da literatura. Todavia, perscrutando de modo a relacionar o Bartlebys Reunidos com os outros livros desta tetralogia, poder-se-ão encontrar neste apreensões e reflexões bem mais abrangentes tangenciando os domínios Ético, Antropológico e Ontológico, atente-se, por exemplo, à seguinte clarificação do humano : “E é então que chegas a concluir/ que nada há a fazer, pois signos/ precários é tudo quanto somos,/ murmúrio de aguardar somente” (Cf. 2/10)… A Resistência passiva levada a cabo pelo Prefiro não o fazer terá, então, uma aplicabilidade que extravasa a questão do destino da literatura, tornando-se extensiva a muitas outras áreas disciplinares. Eis, e para concluir este subtema, mais três versos sobre a natureza humana que abonam a favor do anteriormente dito: “E, na impaciência de nos sabermos/ desistentes, digo para comigo:/ afinal, somos todos Bartleby”.
      Em Comércio com Fantasmas, terceiro volume desta tetralogia, consolidam-se alguns aspetos formais, adquirindo mesmo vários uma especificidade e uma força não detetadas nos outros livros: o modo como este e aquele leitmotiv é trabalhado aproximam Palimpsesto (ao nível formal) de algumas das grandes tetralogias da cultura ocidental: as de Shakespeare, O Anel dos Nibelungos de Richard Wagner, O Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell…; os momentos de intertextualidade são também recorrentes nesta obra, todavia, é neste terceiro volume que eles assumem, por vezes, um acinte inusitado, como, por exemplo, no modo como se distorce e se põe ao serviço próprio os dois primeiros versos do poema Quasi de Mário de Sá-Carneiro: “Um pouco mais de sombra e seria chama.” (Cf. 3/14), bem como uma das máximas de Pessoa irrompendo agora, mas de outro modo: “O leitor é um fingidor” (Cf. 3/27);  a filigranada estrutura poemática chega ao ponto de – de modo deliberado e no que parece ser uma advertência (ou provocação) ao leitor, para que não se esqueça de que estamos no território do palimpsesto - … chega ao ponto, dizia eu, de assumir um título de Barthes como título de um poema (Cf. 3/13, Fragmentos de um discurso amoroso), para logo no segundo verso desse mesmo poema esconder  um outro título, este agora de António Lobo Antunes ( A explicação dos pássaros ), mas a intertextualidade não se fica só pela alusão, pela conotação e pelo parodiar, ela entra Lógica Formal adentro: repare-se como os poemas 14 e 15 deste terceiro volume se iniciam por versos que ocultam no seu seio duas proposições universais que se contraditam entre si, são os ditos versos: “Uma carta chega sempre ao seu destino” (Cf. 3/14), “Uma carta perde-se sempre pelo caminho.” (Cf. 3/15), por fim, atente-se ao estado de espírito que Ricardo Gil Soeiro refere aquando da receção de uma carta e compare-se com aquela espécie de  êxtase de que Bachelard fala, quando, na sua A Psicanálise do Fogo, descreve o Complexo de Empédocles: “(…) o normal curso do tempo parece suspender-se: rendemo-nos a um auto-recolhimento solipsista, à agudização do eu-enquanto-abismo. O olhar torna-se parado, o mundo cessa. E depois há o cheiro… “ (Cf. 3/30).
         Este terceiro texto continua a bordejar a negatividade dos lugares (topoi) e temas visitados pelo poeta: veja-se a natureza humana e sua errância pelo aqui – “ Somos poemas clandestinos, embarcando em imaginárias travessias” (Cf. 3/ 27);  “ procuro esquecer-me que o tempo existe/ e que ele é solitária travessia a percorrer,/ sabes, é inútil o que nos separa da morte. “ (Cf. 3/19).  A partir daqui o livro abre-se em dois trilhos paralelos:  por um lado, uma miríade de poemas onde há toda uma nomenclatura intrinsecamente relacionada com a Epistolografia  trocada – ou a trocar – entre estes Espectros que vamos sendo  ( Cartas extraviadas, selos roubados, Devolvido ao remetente, Postal de viagem, etc., etc.); por outro lado, elocuções de cariz metapoético que vão surgindo concomitantemente com um cismar crónico, ora sobre o mundo exterior ora sobre o interior, quanto a este último ponto é paradigmático o poema Testamento vital  (Cf. 3/17): “ Por vezes chega de repente,/ revisitando-me em horas vazias./(…)/ Mágica e desolada./ Assim é a poesia.” Este poema, propositadamente assinalado aqui, recoloca, sobre outros fundamentos, a relação da inspiração – entendida agora como momento oportuno para, predisposição interior para – com o fazer poético, aliás, a figura da Musa surge várias vezes ao longo desta tetralogia, no entanto, ela não é já a divindade inspiradora dos Românticos, mas aquilo que tangencia as Ideias da Vocação, do Ditado e da Musa explanadas por Agamben (Cf. Giogio Agamben, Ideia da Prosa, 1999. pp. 37 – 50).
      Finalmente, o quarto volume desta tetralogia: Anjos Necessários, Para uma Escrita do Desejo, que parte de uma epígrafe de Wallace Stevens  encerra duas ideias fundamentais: a) a voz que traz em si a marca (ou o estigma) da poesia é como um anjo necessário; b) o acolhimento dessa presença tem uma dimensão salvífica. Aqui é impossível não nos lembrarmos de Lévinas, quando ele nos diz que a Exterioridade e a Separação relativas à Totalidade do Mesmo são obviamente positivas, já que Abrem no sentido do Infinito, e que esse Mesmo só é tal ante o Rosto do Outro, pois é exatamente nesse Rosto do Outro que se encontra estampada a Divindade. No entanto, Ricardo Gil Soeiro afasta-se de Lévinas, não só relativamente à questão da transcendência, mas sobretudo quanto ao estatuto de efémero, veja-se (e já que estamos falando de palimpsesto e de camadas textuais que se sobrepõem) o que o seu texto diz, após ser colocado sobre um outro de Wallace Stevens:: “Assim é a perfeição do pensamento:/ aceitar as coisas como elas são./ Por esta altura, já me deves reconhecer:/ eu sou o anjo necessário e com a minha/ guitarra azul executo improváveis melodias/(…) um poema no coração do vento/ e juntos seremos capazes de/ ressuscitar a beleza do mundo./ Na latência do devir seríamos/ apenas quilo que somos:/ afinal meros figurantes, perenes protagonistas do efémero.” (Cf. 4/1). Os anjos do poeta não se agrupam em exércitos celestes, são antes esses seus companheiros do efémero e do acidental (Cf.4/5), que, paulatinamente e sem grandes ilusões, veem executando a única vingança de que são capazes e a que se sentem com direito: “  – a arte, esse segredo nunca revelado que,/ como um enterro prematuro, pode matar.”  ( Cf. 4/5); é, por conseguinte, na latência de todos os possíveis, nesse aberto que o devir sempre acena, nesse efémero – talvez antecipadamente condenado -  que marionetas, fantasmas e negações se entrecruzam, mas é também aí que Ricardo Gil Soeiro, ininterruptamente, faz e refaz a beleza terrível de que ele nos fala no poema 7 deste volume, daí, portanto e à guisa de conclusão, o verso final de A invenção do mundo: “Quem me acompanha em tal tumulto?”  (Cf. 5/16).


Biblioteca da Casa do Alentejo - Lisboa, 2016/6/25.


Pré-publicação. Texto ao abrigo da legislação relativa aos direitos de autor.
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sexta-feira, 24 de junho de 2016


Amanhã dia 25 de junho (sábado), pelas 16:30H, na Biblioteca da Casa do Alentejo, Rua Portas de Santo Antão, 58   1150-268 Lisboa, efetuar-se-á o lançamento do livro Palimpsesto (Deriva Editores)


Autor da obra: Ricardo Gil Soeiro

Apresentação: Victor Oliveira Mateus

Leitura de poemas: Pedro Lamares
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domingo, 19 de junho de 2016


Apresentação pública do livro Pornographia de Cláudia Lucas Chéu, no Bar do Teatro "A Barraca", no dia 18/06/2016. Nas mesas, e da esquerda para a direita: Victor Oliveira Mateus, Cláudia Lucas Chéu, Miguel Real, Maria Quintans e Albano Jerónimo. Esta obra foi publicada na coleção contramaré da Editora Labirinto.
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sábado, 18 de junho de 2016

Apresentação de livro.


     Palimpsesto de Ricardo Gil Soeiro ( Deriva Editores)
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    O lançamento ocorrerá no próximo dia 25 de junho (sábado), a partir das 16:30H, na Biblioteca da Casa do Alentejo, Rua das Portas de Santo Antão, 58 -  1150 - 268 Lisboa.
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      A apresentação da obra estará a cargo de Victor Oliveira Mateus.
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quinta-feira, 9 de junho de 2016



   L'état d'Ernest est grave, mais stationnaire. Le médecin qui vient l'examiner le questionne sur les secrets de son écriture et Ernest lui répond. Lorsque Ernest dit que le silence st préfárable à la parole, le médecin s'étonne: Qu'apporte le silence, et pourquoi est-il préférable à la parole, qui fait le lien entre les hommes?
- Le silence est l'expression absolue, dit Ernest.
- Mais il reste muet", dit le médecin, heureux d'avoir trouvé les mots justes.
   Il lève la tête, observe Ernest et pense: Cet homme est si malade, et pourtant il n'est pas perdu dans le monde. Il ne prêche pas, ne fait pas semblant d'être un érudit, il travaille, et est heureux dans son travail.
   Il semble à Iréna que l'humeur d'Ernest est stable à présent et que ses pensées sont tranquilles. Il ne renonce pas à s'asseoir à son bureau. Dès qu'Iréna croit apercevoir l'ange de la Mort tapi près de la fenêtre, elle se lève et la chasse, comme on chasse un oiseau de proie.
   Ils passent des heures assis, ensemble, et se taisent la plupart du temps. Iréna est à présent plus sûre que jamais que la vie d'Ernest se poursuivra bien au-delà de ce printemps au ciel clair et à la douce chaleur qui se fondra dans l'été, et de là vers l'automme et l'hiver, pour revenir encore.
   Lorsque Ernest écrit une phrase, il aspire de toutes ses forces à lui donner la forme la plus achevée. S'il est satisfait d'un passage ou d'une page, son visage s'éclaire. Iréna connaît chaque signe de cette joie qui le rajeunit d'un coup.
   Plus que jamais importe à Ernest que son écriture soit claire, ordonnée, sans quoi que ce soit de superflu, ni d'exagéré (...).
   Mais à présent Iréna est avec lui. Sa présence est la porte vers la vie. Près d'elle, chaque mot recherché ou précieux semble gtossier. À présent il n'emploie que des mots à l'intérieur desquels on peut voir, des mots qui n'ont pas un double sens, que l'on peut poser comme une tranche de pain ou un pot de lait.


  Appelfeld, Aharon. L'amour soudain. S/c.: Éditions de l'Olivier/ Le Seuil, 2004, pp. 203 - 205.
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quarta-feira, 8 de junho de 2016


Tous ces noms, ce passé chaque jour plus profond, toutes ces gloires enfiévraient ma rêverie. Marcel complétait ainsi sa leçon du premier soir de retour à Port-Vendrtes. Mon univers se peuplait de dieux, de légions couronnées, de pirastes, arabes, d'impératrices malheureuses. Mais je ne savais pas encore comment fonctionnait le télégraphe ou le phare à miroirs. Poutant, c'était au phare peint en rouge que je venais souvent retrouver Marcel. Il y avait été retenu par son travail et je frappais sans aucune timidité à la porte de la maison du gardien. L'ingénieur y avait un lit de camp dressé dans la salle commune. Quand j'arrivais, Marcel était penché sur la table de bois blanc et couvrait un cahier de petites lignes. (...) J'appris ainsi à lire peu à peu la bonté, la prévenance, l'affection, sans le secours de la parole ou les expressions d'un visage dont les traits demeuraient immobiles. Quand Marcel avait terminé son rapport et moi mon dessert, nous sortions tous les deux et nous visitions les criques minuscules qui sont autant de plages secrètes et parfaites avant l'arrivée à Banyuls. (...) Cependant, j'átais assis au bord de la table, le visage appuyé à mes deux mains. J'avais appris du gardien de phare et de tous les gens de ce pays le contrôle de mes nerfs. Mais ce n'átait pas comme eux, la bonté, la gentillesse, que je masquais à mon tour. Sous le regard d'un enfant sage et charmé, je dérobais à mon ami, échauffé par sa lecture, ma méfiance, un léger mépris, les pires sentiments de mon coeur.


   Fraigneau, André. La grace humaine. Monaco: Editions du Rocher, s/d., pp. 86 - 89.
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segunda-feira, 6 de junho de 2016



Je pris peur soudain pour mon voisin de l'aveu trompeur de ces larmes. C'est que je commençais de penser à lui comme à moi-même. Cette nouveauté me débarrassa de mes maladresses. Il ne s'agissait plus d'échafauder quelque projet d'évasion romantique, mais de courir au plus pressé. Ce n'était pas si facile. La seule fenêtre par laquelle le soleil prolongeait son suplice direct était la dernière du couloir à l'autre bout du wagon et je ne voulais pas donner à l'aide que je venais d'imaginer l'attention d'aucun voyageur ni surtout celle, je l'espérais bien, de celui que je voulais secourir. D'ailleurs, ce dernier nous avait-il même aperçus, mon camarade et moi, depuis notre venue? Je me levai, je franchis le paquet de bavards tassés dans l'ombre, je flânai debout aux portières du couloir. Les marais, devant moi, continuaient de s'étendre; j'en avais toujours aimé la grande platitude stérile qui se couvre de phosphorescences chromatiques et puis se plombe, à la fin du jour, se gâte, enfin vit et meurt comme une perle. Mais ce soir, avec mon nouveau coeur, avec le coeur d'un autre, celui d'un fugitif rattrapé, je détestais cet écran si net qu'une silhouette humaine s'y distingue à des lieues (...) j'en abaissai le rideau bleu au chiffre de la compagnie. C'était toute la nuit que je pouvais faire. Je revins à mon compartiment les mains ballantes, inutiles, ouvertes. J´étais encore debout audessus des gendarmes et des comparses que je venais de contribuer à assombrir. Alors, le prisonnier qui n'avait pas remué depuis deux heures tourna la tête de mon côté. Je reçus son regard où il n'y avait plus de larmes (...). Sa bouche tendue se deserra. Je vis l'effort de la pomme d'Adam un peu saillante au-dessus de son col. Puis ses lèvres s'ouvrirent. Il me sourit. Je ne suis pas près d'oublier ce sourir-là. Enfin, sa parole: "Merci", dit-il.


  Fraigneau, André. La grâce humaine. Monaco: Editions du Rocher, s/d., pp. 26 - 27.
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sábado, 4 de junho de 2016



         "  XXI  "


Não te machuque a minha ausência, meu Deus,
Quando eu não mais estiver na Terra
Onde agora canto amor e heresia.
Outros hão ferir e amar
Teu coração e corpo. Tuas bifrontes
Valias, mandarim e ovelha, soberba e timidez.

Não temas.
Meus pares e outros homens
Te farão viver destas duas voragens:
Matança e amanhecer, sangue e poesia.

Chora por mim. Pela poeira que fui
Serei, e sou agora. Pelo esquecimento
Que virá de ti e dos amigos.
Pelas palavras que te deram vida
E hoje me dão morte. Punhal, cegueira

Sorri, meu Deus, por mim. De cedro
De mil abelhas tu és. Cavalo-d'água
Rondando o ego. Sorri. Te amei sonâmbula
Esdrúxula, mas te amei inteira.


  Hilst, Hilda. Poemas Malditos, Gozosos e Devotos. São Paulo: Editora Globo, 2011, p 63.
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sexta-feira, 3 de junho de 2016



                  "  X  "

Atada a múltiplas cordas
Vou caminhando tuas costas.
Palmas feridas, vou contornando
Pontas de gelo, luzes de espinho
E degredo, tuas omoplatas.

Busco tua boca de veios
Adentro-me nas emboscadas
Vazia te busco os meios.
Te fechas, teia de sombras
Meu Deus, te guardas.

A quem te procura, calas.
A mim que pergunto escondes
Tua casa e tuas estradas.
Depois trituras. Corpo de amantes
E amadas.

E buscas
A quem nunca te procura.


  Hilst, Hilda. Poemas Malditos, Gozosos e Devotos. São Paulo: Editora Globo, 2011, p. 37.
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Nota - Poemas malditos, gozosos e devotos é o último volume da poesia completa de Hilda Hilst que a Globo publicou. É um livro integralmente preenchido por poemas que interpelam diretamente Deus, no entanto, esta interpelação à divindade é mediatizada, não por uma contemplação espiritualizada, mas pelo desejo e pelo corpo, daí o próprio título da obra.
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quarta-feira, 1 de junho de 2016



     A coleção contramaré , da Editora Labirinto, coordenada por Victor Oliveira Mateus e Daniel Gonçalves apresentará no próximo dia 18, pelas 22:00H, na "Barraca" em Santos, o seu próximo número: Pornographia de Cláudia Lucas Chéu. A apresentação estará a cargo de Miguel Real. Os textos serão ditos pelo ator Albano Jerónimo e pela poeta Maria Quintans. Da festa encarregar-se-á a DJ Mag Rodrigues...

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Números já publicados pela contramaré e que podem ser adquiridos diretamente à Editora ou encomendados: em Lisboa na "Pó dos Livros", "Ferin" e "Bulhosa"; no Porto na "Fnac" (Santa Catarina); em Braga na "Centésima Página"...

Nº 1 Temor Único Imenso de Rui Almeida
Nº 2 Todos os Pecados do Mundo de Cecília Barreira
Nº 3 Vida Breve de Amadeu Baptista
Nº 4 Da Eterna Vontade de Inez Andrade Paes
Nº 5 Ofício de Transparências de Maria José Quintela
Nº 6 A Língua de Esperanto dos Pássaros de Isabel Aguiar
Nº 7 Vida sem Demão de Paulo Pego
Nº 9 Corpo Contínuo de Maria José Quintela


No Prelo:

Nº 8 Tristes Tópicos de José Jorge Letria
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