segunda-feira, 25 de setembro de 2017



                O Afilhado


O meu afilhado epiléptico veio ver-me,
Veio verme.
Verme não é. E, se fosse, isso que tinha?
Os anelídeos têm os seus anéis elásticos,
Num começo de élan superior, bem soldado,
A blocos de control e direcção,
Enquanto que ele a perde em centros altamente sinápticos
E fica pobre e triste entre os apáticos.

O meu afilhado epiléptico
Veio ver-me,
Veio verme,
Veio eclético,
Entre os que sim e os que não,
Quase empastado e céptico
Num sorriso de vã resignação.
Fosse ele verme, o pobrinho, e até crustáceo!
Teria o sistema nervoso ao longo da barriga,
Táctico nas antenas de precisão, como a formiga.
Mas tem espinha dorsal e cabos de nervo de alto diâmetro,
Que deviam ser rápidos e senhoris na opção,
Mas às vezes não são...
O meu pobre afilhado epiléptico,
Eterno aprendiz de sapateiro,
Aplicando serol a fibras de cairo para botas
E fazendo virolas
De meias solas
Rotas.

- E ganhas...? - lhe pergunto.
- Vinte paus, meu Padrinho.
"E não posso beber vinho:
"Nem um copinho,
"Meu Padrinho!"

O meu afilhado epiléptico veio ver-me,
E pensei no Pessanha:
"Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme..."
Vinte paus é o que ganha
O meu afilhado epiléptico,
Com os dedos no unto.

Patético, hein?
Mas - mudemos de assunto.


                                    28 de Junho de 1971.


Nemésio, Vitorino. Obras Completas Vol. II - Poesia. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1989, pp 608-609 (Prefácio, organização e fixação de texto de Fátima Freitas Morna).
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