segunda-feira, 31 de março de 2014



  
       

               [ vendaval de vozes ] 
 
 
De manhã o café alberga um vendaval de vozes
faiscantes embrulhadas em galões e torradas e
ao fim da tarde esmorecem em cerveja morna
vozes de gentes desencontradas no ruído hoje
ao anoitecer passo a mão pelos tampos sujos
à procura de um som esquecido que me faça
companhia pelo resto da noite
 
 
     Machado, Carlos Alberto. Uma Viagem Romântica a Moscovo. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2012, p 20.
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quarta-feira, 26 de março de 2014



        "  Oferenda  "


Cumpro o que prometi:
Dou-te o melhor que tenho, versos.
Não queiras mais.
O resto
É o lastro reles da minha humanidade.
As doenças do corpo,
As misérias da alma
E o medo da morte,
Sujas negruras de que me envergonho.
Tudo, porém, é limpo e luminoso
Quando o sol radioso
Da poesia
Me visita.
E são esses instantes que deponho
No teu altar.
Instantes em que sonho
Que és a deusa capaz de me salvar.


  Torga, Miguel. Poesia Completa. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, p 927.
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terça-feira, 25 de março de 2014

Recensão de Alfredo Pérez Alencart, poeta e Professor na Universidade de Salamanca:



http://www.salamancartv.com/contributorpost/poetas-luso-brasilenos-una-antologia-de-victor-oliveira-mateus/

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     "  Purificação  "


Não é propositado o meu silêncio.
São as próprias palavras que não querem
Dizer nada de mim.
Cansaram-se do uso
E do abuso
Que fiz delas
A vida inteira.
Prostituídas na minha voz,
Que o tempo corrompeu,
Mentirosas nas horas mais sinceras,
Regressaram de novo à virgindade
Que lhes roubei.
E aguardam servir outra humanidade
Que comece por onde comecei.


    Torga, Miguel. Poesia Completa. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, p 852.
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segunda-feira, 24 de março de 2014

O Dia Mundial da Poesia na SPA (Sociedade Portuguesa de Autores)

António Carlos Cortez, Victor Oliveira Mateus e Eugénia Bettencourt (fotos gentilmente captadas pela S.P.A.).
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                                 Maria Toscano
                                 Ivone Mendes da Silva
                                 Delmar Maia Gonçalves
                                   Maria João Cantinho
                                  Licínia Quitério
                                 Maria Augusta Silva
                                  Luís Filipe Sarmento



domingo, 23 de março de 2014



           "  Relato  "


Foi longo o meu caminho de poeta,
Com versos de agonia demorada.
A vida imaginada
Paralela
À outra, acontecida.
E ambas a enfunar a mesma vela
Já sem rumo à partida.

Os áugures previam,
Os mapas ensinavam,
A bússola apontava...
Mas faltava-me a fé das almas confiadas.
Teimoso, repetia
A pergunta inquieta que fazia
Ao vazio das horas navegadas.

Que certa direcção
Dar ao timão
Numa viagem sem qualquer sentido?
O mar diariamente enfurecido,
O céu diariamente enevoado,
E o barco fatalmente conduzido
A um cais de morte sempre adivinhado...


    Torga, Miguel. Poesia Completa. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, p 797.
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quinta-feira, 20 de março de 2014

6ª Feira. Dia Mundial da Poesia. Sessão na S.P.A..

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    "  Fevereiro, dois  "


É fevereiro, dois, o dia esteve quente
mas há um anoitecer antecipado e só
nos meus olhos rasgo todos os papéis
ouço passos que pisam a rua e o gato
do vizinho maldiz a sorte no telhado
de zinco, desorientado com o cio e eu
esmago-te no meu pensamento. Fujo
de ti em êxtase, amaldiçoando o gato
a tarde quente e o fim do teu reinado
em mim porque o teu veneno cuspi-o
agora. E chove de novo. No alpendre
da história que inventámos. Famintos.


    Riogrande, Alberto. O Ofício dos Pássaros. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2013, p 69.
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quarta-feira, 19 de março de 2014



     "  Sangue na Praça  "


Andam pássaros febris voando em círculos,
longos voos, êxtase incompleto.
Há pouco incendiei a praça
nos meus dedos, pulsão insubmissa.
Na sombra dos pássaros caminhavam
formas perfeitas, contornos que um dia inventei.


  Riogrande, Alberto. Ofício dos Pássaros. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2013, p 43.
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    "  Cohiba, Bairro Alto, 2012  "


O verão não chegará
O sol impiedoso mata a cidade
e calcina as suas veias
Nos jardins públicos
ao torpor de árvores ósseas
os rostos são fractura exposta

Assim entraste nesse círculo
enganador de carne viva
no frio intenso de quantos
nas ruas de lisboa
mostram o jogo
essa forma de perder a vida
em grande estilo

E saio   Agosto é um mês triste
traz no seu rosto incendiário
as queimaduras do verão suicidário
Assim este lugar dantesco
onde em movimentos de serpente
ao som de vozes do momento
encenam danças macabras
fingindo uma felicidade
com morte e sexo e nada


  Cortez, António Carlos. O Nome Negro. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2013, p 59.
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terça-feira, 18 de março de 2014



   "  No texto  "


Serás hoje no texto
o espectro ou
além do texto
o desejo concreto
e nada abstracto
do que fomos

Bem vistas as coisas
um texto torna real
a ficção parcial
do que em nós morreu

É esse o problema central
do poema e seu
funcionamento:
fixa o eixo do sentido
esse submerso
corpo sideral onde
( amor ou morte )
o que fomos vive
e o que não somos foge


   Cortez, António Carlos. O Nome Negro. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2013, p 34.
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segunda-feira, 17 de março de 2014



   "  18. O jogo de fazer versos  "


Ao oráculo vou pedir
que me cure a poesia.
Que o rumor dos versos
me perdoe a suspeita, mas
é já tarde para descoloridas
sombras ardendo no papel
- tanto hiato no dizer...
E o que eu queria era fogo
sem disfarces, argênteas
chuvas irrompendo,
mas o alarido dos versos
me coube por morada.
Pois bem: se já não vou a tempo
de desatar a espaços a plenitude,
renuncio. É tão simples como isto.
Sonhei com milagres de beleza,
voos ligeiros de cetim, mas só me calham
sílabas sempre aprazadas, recolhendo
promessas desfeitas que calam,
por momentos, a impostura de
haver morte em tudo o que é canto.
Migalhas, convenhamos.
Assim me confesso atraiçoado:
remorsos insensatos de só ter urdido ecos.
Fábulas, quimeras: afinal, trevas
imprevistas que não soube abandonar.
Todavia, não me rendo:
sei bem de quem é a culpa
e, assim, aponto o dedo acusador.
Às minhas preces fez ouvidos moucos
a triste arte das palavras e injusto
se me afigura este castigo.
O que eu queria era mares de veludo,
sussurrando desamores perfeitos;
não estas sobras desmedidas,
incessantemente repetindo
acordes desiguais - alçapão de rima pobre.
Mas não há maneira de mitigar
este mal de que padeço.
Sofrer? Sofra quem lê.


  Soeiro, Ricardo Gil. Bartlebys Reunidos. Porto: Deriva Editores, 2013, pp 43 - 44.
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  "  10. Declaração de princípios  "


Chegas tarde.
Também tu não sabes
alcançar o difícil equilíbrio
que se esconde entre amar e ser amado:
entre o lirismo pensativo de poeta
e a desenvoltura de pós-moderno Prometeu.
E é então que chegas à conclusão
de que nada há a fazer, pois signos
precários é tudo quanto somos,
murmúrio de aguardar somente.
Mas ainda não te decidiste:
e é por isso que chegas
a estas horas descabidas;
lá fora o mundo inteiro
dorme sem desculpas.
Já aqui, onde o crepúsculo
continua a arder sereno,
a resignação deixa-te satisfeito.
Permaneces, assim, hesitante,
propositadamente confundindo
as palavras com uma qualquer pálida
confissão de que foste incêndio e sangue.
Revejo-me em ti: nas pistas transparentes
que vais deixando, à maneira frágil de um
deus ausente, semeando destroços com
dedos cristalinos e caudas de veneno.
Vais continuar a não saber quem és:
se alegre espectador soletrando ditirambos
na praça dos afectos, se tímida mariposa
em efémero casulo recolhida.
Chegas tarde.
Pés de veludo
para não acordares
o absurdo de estarmos
juntos, por exemplo.
Em surdina, invades
os lençõis manchados
de um pesar dorido
- sem nome, sem passado.
E nada pedes em troca.
Nada, salvo a solidão de quem te lê.


   Soeiro, Ricardo Gil. Bartlebys Reunidos. Porto: Deriva Editores, 2013, pp 28 - 29.
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terça-feira, 11 de março de 2014

 
No dia 21 de Março, DIA MUNDIAL DA POESIA, pelas 18H30, será apresentada ao público, no Auditório Maestro Frederico de Freitas da S.P.A. (SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES), a Antologia Poética CINTILAÇÕES DA SOMBRA 2.
 
Publicação: Editora Labirinto.
 
Apresentação da obra: António Carlos Cortez
 
Coordenador da Antologia: Victor Oliveira Mateus
 
Leitura de poemas: Eugénia Bettencourt
 
Capa e fotografia da capa: Nuno Ascenção.
 
 
Esta Antologia conta com a colaboração de poetas dos seguintes países e territórios: Portugal, Brasil, Moçambique, Macau, Espanha, Costa Rica e Bulgária.
 
 
Autores que integram a obra: Adalberto Alves, Albano Martins, Alfredo Pérez Alencart, Alice Fergo, Alice Vieira, Amadeu Baptista, Ana Luísa Amaral, Ana Maria Puga, Ana Zanatti, António Carlos Cortez, António José Queirós, António Salvado, Artur F. Coimbra, Astrid Cabral, Carlos Afonso, Carlos Vaz, Cecília Barreira, Cláudio Lima, daniel gonçalves, Delmar Maia Gonçalves, Ernesto Rodrigues, Gabriela Rocha Martins, Gisela Ramos Rosa, Gonçalo Salvado, Henrique Manuel Bento Fialho, Inês Lourenço, Inez Andrade Paes, Isabel Miguel, Ivone Mendes da Silva, Jaime Rocha, João de Mancelos, João Rasteiro, Jorge Velhote, José Acácio Almeida, José Agostinho Baptista, José Ángel Garcia Caballero, José do Carmo Francisco, José Emílio-Nelson, José Jorge Letria, José Manuel Teixeira da Silva, Juan Carlos Olivas, Licínia Quitério, Luís Filipe Sarmento, manuel a. domingos, Manuel Silva-Terra, Marcela Filippi Plaza, Marcus Fabiano Gonçalves, Maria Augusta Silva, Maria do Rosário Pedreira, Maria João Cantinho, Maria Toscano, Marta López Vilar, Miguel Veyrat, Paulo Franchetti, Pompeu Miguel Martins, Ricardo Domeneck, Ricardo Gil Soeiro, Rita Moutinho, Rita Taborda Duarte, Ronaldo Cagiano, Rui Rocha, Rui Tinoco, Santiago Aguaded Landero, Teresa Rita Lopes, Vera Lúcia de Oliveira, Vergílio Alberto Vieira, Victor Oliveira Mateus e Violeta Boncheva.
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          "  Viandante "


Ele passa, recolhido e sereno,
ante a vénia da vegetação,
a coberto da turfa e do feto.
A grande errância selvagem
que diante dele se abre aquieta-se.
O seu fito o largo horizonte
aberto como um livro sobre uma mesa.
Ele é alguém que procura caminhos
não percorridos, porém não lhe ignorados;
a abóboda do espírito o seu firmamento.
Algumas criaturas são despoletadas
como molas à sua passagem;
aqui está uma: a lebre, e outra além,
o musaranho, minúsculo messias.
Uma toada poderá anunciá-lo
a vós, urze e tojo, e até acácia,
mas não lhe impeçais o curso
da sua não pensada reflexão,
o seu propósito lépido de regato.
Leva no semblante tamanha paz
que o julgaríeis munido
de uma não negociável alegria
e de uma eterna recordação,
fixo em uma busca que o anima
pelos ermos agrestes.


    Jonas, Daniel. Passageiro Frequente. S/c.: Língua Morta, 2013, pp 33 - 34.
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segunda-feira, 10 de março de 2014



    "  No pontão, subitamente  "


Não temos nada em comum:
nem o tempo dos encontros
nem a hora da despedida,
desencontrados entes rentes a si
e para sempre beijados por
intransigentes tangentes.

Apenas alguns pensamentos:
a chama do bico do gás,
o frio dos barcos,
a abordagem inesperada.

No pontão o vazio
é mais fundo,
as águas silenciam os seus soluços,
dizem-nos que o nosso amor morreu

mas além um vulto chama à vida
o nosso olhar
e reparamos que viéramos aonde vivêramos
assim replicando uma casa
com um regresso.


  Jonas, Daniel. Passageiro Frequente. S/c: Língua Morta, 2013, p 67.
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sexta-feira, 7 de março de 2014



      "  Cópula Versátil  "


Poetar é transar com as palavras
e bravas são as libertinagens inventadas
A cada verso o sexo é diverso

A gozagem é metafísica do físico
metalinguístico sucumbidor ao penetrar
todas as carências de si mesmo

Mudo a posição do que há em mim
Mudo, quando estou a explorar...
gozo quando chego ao final de verso.
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  Barbosa, Leo. Versos Versáteis. João Pessoa: ideia editora, 2010, p 107.
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       "  Errata do Amor  "


Ter-te amado foi inclusa errata
dum amor permeado de reentrâncias
- o toque, o elo, o feromônio
Tê-la fez-me uma ânsia
anciã quando a tarde se despediu
e todas as palavras engatilhadas
                             engatinharam
por ser eu errôneo, por ser eu medo
                             medonho.


  Barbosa, Leo. Versos Versáteis. João Pessoa: ideia editora, 2010, p 40.
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EN HERIDAS y sombras
puse mi vida
y, cualquier día, de mi corazón,
van a ir saliendo los insectos y
van a ser ciegos. Lástima de luz.
Lástima de luz


  Gamoneda, Antonio. Esta Luz, Poesía Reunida ( 1947 - 2004 ). Barcelona: Círculo de Lectores/ Galaxia Gutenberg, 2004, p 518.
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quinta-feira, 6 de março de 2014

 
 
CONOZCO al pájaro verdugo. Canta y las aves acuden a sus blancas uñas. Luego, las crucifica en los espinos. Desgarra y canta a causa del amor y se alimenta de lo que crucifica. Sueña con pétalos sangrientos. No se sabe si es pájaro que llora.
 
En otro tiempo,
 
yo vi el alma del caballo, su dentadura en el rocío. Hay un caballo dentro de mis ojos y es el padre de los que después aprendieron a llorar. Ahora
 
alguien pisa sobre mis sueños. Recuerdo que las serpientes pasaban suavemente sobre mi corazón.
 
Escuchar la sangre. Dónde? En la fístula azul o en las arterias ciegas? Allí el hierro silba, o arde, quizá: no somos más que miserable hemoglobina. Allí los huesos lloran y su música se interpone entre los cuerpos. Finalmente, purificados por el frío, somos reales en la desaparición.
 
Mierda y amor bajo la luz terrestre. Yo abandono mis venas a la fecundidad de las semillas negras y mi corazón a los insectos.
 
Mi corazón, esta caverna húmeda que sin fin ni causa finge la monotonía de la sístole.
 
 
  Gamoneda, Antonio. Esta Luz, Poesía Reunida ( 1947 - 2004 ). Barcelona: Círculo de Lectores/ Galaxia Gutenberg, 2004, p 467.
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terça-feira, 4 de março de 2014

 
 
Dia 21 de Março - Dia Mundial da Poesia -, pelas 18h00, em local a anunciar, o poeta e crítico literário António Carlos Cortez fará a apresentação da Antologia "Cintilações da Sombra 2". Esta obra conta com a colaboração de prestigiados autores de Portugal, Brasil, Moçambique, Macau, Espanha, Costa Rica e Bulgária. Em breve serão dados mais pormenores acerca deste evento.
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segunda-feira, 3 de março de 2014

 
 
PÁJAROS. Atraviesan lluvias y países en el error de los imanes y los vientos, pájaros que volaban entre la ira y la luz.
 
Vuelven incomprensibles bajo leyes de vértigo y olvido.
 
 
 Gamoneda, Antonio. Esta Luz, Poesía Reunida ( 1947 - 2004 ). Barcelona: Círculo de Lectores/ Galaxia Gutenberg. 2004, p 337.
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