sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

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244

Quem ama conhece
o mundo inteiro. Tão pequeno,
ó sol derradeiro


245

Se os poetas mataram
o amor não sei. Sei, sim,
que o sinto imortal


246

Amo-te. Tão fundo
que nem sei se vou regressar
ao sol do agora


   Brito, Casimiro de. Eros Mínimo. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2015, p 88.
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015


58

No amor imita-se
a lua e o sol. Uma vem,
o outro afasta-se


59

As patas da neve
roçam na janela. Já não estás
a meu lado


60

Nascem águas do chão
ou do templo em ruínas
do meu coração?


  Brito, Casimiro de. Eros Mínimo. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2015, p 26.
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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

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Desapareceu
Nos interstícios
Da cidade imensa

A solidão cósmica
É muito simplesmente
Em certas noites frias de Janeiro
Uma paragem de autocarro

(Tinha-te imaginado nos meus braços
Até raiar o dia)

Desapareceste
No autocarro
Depois de um beijo fruste

Em vez de desaparecer
- Para onde? Para sempre? -
Vagabundeei
Pelas ruas de Chelsea
Que me conhecem de cor


 Lacerda, Alberto de. O Pajem Formidável dos Indícios. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, p 55.
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015





    " Ritornello "




Cada ausência complica
Cada vez mais o labirinto


Encontrei-te no meio do caminho


Perdemo-nos um do outro
Repetidamente


Quando presentes
Olhos nos olhos
O mundo se nos abre em contraponto
Que por instantes
De uma eternidade
Nos revela tudo


Depois acordamos


E recomeça um ciclo
Sempre diferente




   Lacerda, Alberto de. O Pajem Formidável dos Indícios. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, p 44.
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domingo, 22 de fevereiro de 2015

(Um poema da minha meninice que acabei agora mesmo de encontrar. Sempre o julguei perdido, mas vasculhando em papelada antiga devido a um jogo do Face, acabo por descobrir a tralha toda do meu secundário e lá andava também uma série de "coisas" destas. Este - lembro-me bem!- era o meu preferido na época. Pelas influências dos realistas que aqui se notam sobretudo de Guerra Junqueiro e pelo final nitidamente ultra romântico com laivos de João de Deus e de Soares dos Passos, eu deveria ter uns 16/17 anos,  enfim, uma mera curiosidade histórica, para nos fazer sorrir):

   " A velha da meia tarde "

Sentada no banco do jardim,
obliquando o corpo para a terra,
a velha ausenta-se do espaço
adquirindo apenas olhos para o tempo:

- "Escute menino
que horas são?"

Pergunta-me ela sempre que passo
semelhantemente ausente
e de olhos fitos no chão.
No seu ar, perdido e lasso,
a velha ausenta-se do espaço,
sentada no banco do jardim.

- "Menino, ó menino,
que horas são?"

Pergunta-me ela a mim,
sempre que por ela passo
com os olhos fitos no chão.
Com o seu casaco enorme e castanho,
com o seu gorro de lã espessa e azul,
com a sua sombrinha na mão -
Ali está ela, em pleno Verão,
embora à margem do tempo.

- " olhe lá, olhe lá,
ó meu caro menino
que horas são?"

Pergunta-me ela sempre que passo
com os olhos fitos no chão.
"Cinco e meia." - E ela fica satisfeita.
"Um quarto para as três". - A frase é demasiado longa,
ela não a entende,
então eu mexo os lábios, pronunciadamente,
tiro mesmo uns minutitos para lhe facilitar a compreensão,
aceno-lhe com a mão -
E ela diz que sim, que entendeu
- repete mesmo para eu saber que entendeu -,
e eu sorrio e continuo
de olhos fitos no chão,
para além da velha encasacada
que esmiuça o tempo
das minhas tardes de Verão:

- "Menino, ó menino,
que horas são?"

Ainda um pouco cedo, minha amiga,
mas quando te fores
- e pelo sim pelo não -
reserva-me esse banco,
para eu matar também
as minhas tardes de Verão.

* * *

Agarrada agora à grade ferrugenta
obliquando o corpo para o espaço
a velha ausenta-se da terra
adquirindo um ar sonâmbulo e demente
- sem querer saber já do tempo,
que para ela é indiferente -,
para me pedir trocos
com o seu ar ausente:

- " Menino, ó menino,
deia-me qualquer coisinha!"

Pede-me ela sempre que passo
com o meu ar perdido e lasso
e esta tristeza que é só minha.
Sem o seu gorro de lã espessa e azul,
sem o seu casaco enorme e castanho,
a velha traz antes um vestido desbotado
e de grande tamanho -
E ali está ela, parecendo a meu lado,
mas na realidade sozinha:

- "Menino, ó menino,
deia-me qualquer coisinha!"

Mas eu, quando não tenho, finjo nem ouvir,
outras vezes dou
só para a ver sorrir
a este outro pedinte que sou.
E lá fica ela
com a mesma sombrinha na mão
agora revirada
como um pequeno telhado levantino.
Mas há outros dias em que me pede três e quatro vezes
e eu digo-lhe - zangado - que já dei.

- " Ó menino, desculpe,
eu vejo mal
e confundo tudo o que sei!"

Eu sorrio então, confundido também
e misturando os caminhos
e, como ela, passando por onde passei
nesta vida de pedinte,
que não é só dela,
mas também minha:

- "Menino, ó menino,
deia-me qualquer coisinha!"

Ó minha amiga,
minha musa,
que te posso eu dar
que a mim não tenha de roubar?
Somos assim nós os pedintes:
um incansável estender de mão
em todos nós tão iguais
diferindo apenas o pregão.
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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

   Ernest lutte avec sa vie et son écriture. Il ne peut changer sa vie, mais il souhaite donner à son écriture une nouvelle forme. Ce ne sera plus une description d'ambiance lourde de détails mais rien que le nécessaire absolu. Pendant longtemps il a souhaité écrire sur l'homme, l'homme en lui-même, sans aucun trait ethnique. Ses héros (...). Ils se battaient pour la justice, la fidelité et la pureté. Depuis l'arrivée d'Iréna, beaucoup de choses ont changé dans sa vie. Toutes ces années il a tenté de fuir sa vie, de l'ignorer, de construire sur le des tours géantes. À présent, elle s'élève vers lui telle une ombre, et il sait qu'elle demande réparation (...).
   Iréna sait qu'il n'y a rien de tel qu'une soupe de légumes pour le tirer de l'obscurité. Son combat contre la mélancolie est un combat violent. Avant, il passait parfois des journées entières au lit, mais Iréna ne lui permet plus d'être dépendant de ses douleurs. Elle invente toutes sortes de ruses et de charmes pour l'attirer vers la table. Elle croit qu'une bonne nourriture peut le sortir de sa détresse.
   Parfois, pour lui faire plaisir, elle met son chemisier brodé et la jupe assortie à la broderie, se maquille et porte des boucles d'oreilles. Ernest est três heureux de voir Iréna en habits de fête.
   Souvent, témoin de son combat, elle veut lui dire: Je ferai tout ce que tu me demanderas de faire. Ernest refuse la plupart du temps d'être assisté, même lorsqu'il est faible (...).
   Lorsque Ernest revêt son costume gris et son manteau d'hiver, noue autor de son cou une écharpe de laine fine et dit "Au revoir", Iréna ressent avec une fierté dissimulée que ses actes ont porté leurs fruits, et elle demeure longtemps enveloppée par cette joie.


  Appelfeld, Aharon. L'amour soudain. S/c.: Éditions de l'Olivier/ Le Seuil, 2004, pp 63 - 64.
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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015



   A coleção contramaré da Editora Labirinto assenta em dois pressupostos fundamentais: um, conceber o seu domínio de publicação como um território estruturalmente livre e avesso a todo o tipo de enfeudamento estilístico ou outro; dois, acreditar que é a qualidade dos escritos que determina a qualidade das coleções e não a miragem contrária.
   A contramaré é atualmente coordenada por Victor Oliveira Mateus e por Daniel Gonçalves e os seus títulos podem ser: ou pedidos diretamente para a Editora Labirinto ou, no caso de Lisboa, adquiridos na Livraria Pó dos Livros.
   Esta nota justifica-se pelo facto de ter sido hoje posto à venda o livro quatro desta série.
   Seguem-se, portanto,  os títulos já publicados:

Nº 1 "Temor Único Imenso" de Rui Almeida

Nº 2 "Todos os Pecados do Mundo" de Cecília Barreira

Nº 3 "Vida Breve" de Amadeu Baptista

Nº 4 "Da Eterna Vontade" de Inez Andrade Paes
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

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   Quanto a mim, não me sinto feliz nem infeliz; estou suspenso como um cabelo ou uma pena, na amálgama nebulosa dos meus pensamentos. Falei da inutilidade da Arte mas esqueci-me de reconhecer as consolações que ela proporciona. O alívio que deriva do género de trabalho que produzo com o cérebro e o coração reside nisto: só no silêncio activo do pintor ou do escritor é que a realidade pode ser reelaborada e revelada no seu aspecto verdadeiramente significativo. As nossas acções quotidianas nada mais são do que os ouropéis que velam o vestido de ouro - a essência da forma. É na sua arte que o artista encontra, pela imaginação, um feliz compromisso com tudo quanto o feriu na vida quotidiana, e não para escapar ao seu destino, como faz o homem vulgar, mas para realizá-lo da forma mais adequada e completa que lhe for possível.


  Durrel, Lawrence. Quarteto de Alexandria Vol. 1,  Justine. S/C.: Editora Ulisseia, 3ª Edição, pp 13 - 14.
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domingo, 8 de fevereiro de 2015



   Entre a gente que considerava ridículo esse género de casamento, gente que indagaria no seu próprio caso: "Que pensará o Sr. de Guermantes, que dirá Bréauté, quando eu desposar a menina de Montmorency?", entre as pessoas que alimentavam essa espécie de ideal social, teria figurado, vinte anos antes, o próprio Swann, aquele Swann que tivera tanto trabalho para ser admitido no Jockey e contara naquele tempo com um casamento brilhante que, consolidando a sua posição, acabaria por torná-lo um dos homens mais distintos de Paris. Mas as imagens que um casamento desses apresenta ao interessado têm necessidade, como todas as imagens, para não empalidecer e apagar-se completamente, de ser alimentadas do exterior. Suponhamos que o nosso mais ardente desejo é humilhar o homem que nos ofendeu. Mas, se se mudou para outras terras e nunca mais ouvimos falar dele, esse inimigo acabará por não ter a mínima importância para nós. Se perdemos de vista durante vinte anos todas as pessoas por causa de quem desejaríamos entrar para o Jockey ou para o Instituto, já não nos tentará em absoluto a perspectiva de ser membro de um ou de outro.


  Proust, Marcel. Em Busca do Tempo Perdido, Vol. 2,  à sombra das raparigas em flor. Lisboa: Livros do Brasil, s/d., pp 42 - 43 ( Tradução: Mário Quintana ).
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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015



   É verdade que em todas as páginas dos meus cadernos escrevia indefinidamente o seu nome e o seu endereço, mas, à vista daquelas vagas linhas que eu traçava sem que ela por isso pensasse em mim, que a faziam ocupar em redor de mim tanto espaço aparente sem que por isso ficasse mais ligada à minha vida, sentia-me desanimado, porque não me falavam de Gilberta, que nem sequer as veria, mas do meu próprio desejo, que pareciam apresentar-me como algo de puramente pessoal, de irreal, de fastidioso e de impotente. O mais urgente era que Gilberta e eu nos víssemos e pudéssemos fazer a confissão recíproca do nosso amor, que até esse momento não teria por assim dizer começado. As diversas razões que me tornavam tão impaciente de a ver seriam menos imperiosas, sem dúvida, para um homem maduro. Acontece mais tarde que, tornando-nos peritos no cultivo dos nossos prazeres, nos contentemos com aquele que sentimos ao pensar numa mulher como eu pensava em Gilberta, sem nos inquietarmos por saber se essa imagem corresponde à realidade, e também com o prazer de amar sem ter necessidade da certeza de que ela nos ama; pode ainda suceder que renunciemos ao prazer de lhe confessar a nossa inclinação por ela, a fim de manter mais vívida a inclinação que ela tem por nós, imitando esses jardineiros que, para obter uma flor mais bela, lhe sacrificam várias outras. Mas no tempo em que eu amava Gilberta, julgava ainda que o Amor existia realmente fora de nós; que, permitindo, quando muito, que afastássemos os obstáculos, oferecia as suas venturas numa ordem à qual não se era livre de mudar coisa alguma (...).
   Mas quando chegava aos Campos Elísios (...) desde que me via na presença daquela Gilberta Swann, com quem contara para refrescar as imagens que a minha memória fatigada já não encontrava, daquela Gilberta Swann com quem ontem brincara, e que um instinto cego acabava de fazer-me saudar e reconhecer, um instinto como esse que, na marcha, nos põe um pé diante do outro antes que tenhamos tempo de pensar, logo tudo se passava como se ela e a menina que era objecto dos meus sonhos fossem duas criaturas diferentes.


   Proust, Marcel. Em Busca do Tempo Perdido, Vol. 1, no caminho de Swann. Lisboa: Livros do Brasil, s/d, pp 394 - 395 ( Tradução: Mário Quintana ).
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