quinta-feira, 30 de novembro de 2017



(Torga, Miguel)

Por Buarcos passeia, sem outros luxos que não seja o seu antigo
olhar montanhoso.

Interrompe a consulta, deixa de ver lânguidos aquários,
e sai a capturar a força que o mar concentra.

E anota o memorável do abnegado ofício de ser pescador e de ser
poeta:

" Mas da mesma maneira que eles, sem que ninguém lhes peça
sardinhas, se
fazem ao mar; também eu, sem que ninguém me peça poesia, me
lanço a este mar da criação".

Alguém o viu em 43, entregue ao trabalho.

Costa a costa de uma Ibéria que é encontro e cisão,
poesia por praias e trigais;
utopias e sebastianismos precipitando-se
no fundo da esperança.

As ondas não descansam.
Nem o médico quando ausculta e grita o seu amor pela Figueira,
a sua fidelidade ante uma costa que lhe vai gritando ao ouvido:

"Rocha, és bem-vindo!"

Alguém o viu em 86, entregue ao trabalho...


   Alencart, Alfredo Pérez. Em frente do mar, emudeci/ Ante el mar, callé (edição bilingue). Fafe: Editora Labirinto, 2017, p 34 (Tradução de Eduardo Aroso).
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quarta-feira, 29 de novembro de 2017


Herdo o azul.

A minha voz escolhe a sua hospedagem e semeia na primavera
e se desoculta numa altíssima janela.

Em cada instante um sonho ou uma onda.
Em cada dia um novo baptismo. Em cada estremecimento
a abolição dos desdéns.

Inútil querer fugir daqui.

Nesta praia a luz não desaparece nem quando chegam
tempestades.
Pego na declaração das testemunhas.
Não se esquecem de nenhum raio de sol de qualquer verão.

Dizem do agosto: "Os banhistas enchem a praia,
os restaurantes repletos, o casino
para o jogo, os espectáculos dando vida nocturna..."

Exercito a paixão pelo sossego que resgata.
Exercito o sossego pela paixão que desgasta.

Entretanto, a cidade encontra-me a percorrê-la sem mapa
de cabeça erguida pelas ruas,
sentindo-a muito cá dentro para acreditar na sua existência.

E submerjo os meus olhos nela, para que não desapareça.
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  Alencart, Alfredo Pérez. Em frente do mar, emudeci/ Ante el mar, callé (edição bilingue). Fafe: Editora Labiirinto, 2017, p 14 (Tradução de Eduardo Aroso).
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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Capas da edição em português da obra em referência publicada pela "Hebel Ediciones" de Santiago do Chile. Esta tradução e o prefácio estiveram a cargo respetivamente dos poetas brasileiros Leonam Cunha e Álvaro Alves de Faria.
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       Prohibido por ley


Se me han perdido los abrazos
y partes de mi cuerpo
se han quedado dispersas por ahí
incrustadas en otras vestimentas.

Ahora busco un camino
que me conduzca al verso que no llegué a escribir,
al silencio sagrado que llené de palabras,
a un sitio bajo el cielo donde pueda encontrar
esos abrazos que perdí
y donde la perversa esperanza esté prohibida
por ley y para siempre.
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  Moro, Lilliam. Contracorriente. Diputación de Salamanca, 2017, p 54 (Prólogo: Carmen Ruiz Barrionuevo).
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domingo, 26 de novembro de 2017



          El monje copista

Tengo el vicio secreto de conversarme adentro
con un lenguaje exento de figuras retóricas.
No importa en qué momento, sola o acompañada,
con tanta perfección que nadie se da cuenta
pues me hablo con naturalidad
pero sin emitir aquello que me sé.
Incluso a veces escribo con el dedo
cualquier palabra clave sobre una piel desnuda
en medio de la noche entre frases de amor.
Es que me dan alergia
los sensatos de buena voluntad,
los prácticos consejos que siempre llegan tarde,
el aprecio y la mirada comprensiva
del que pretende que me le parezca.
Estou acostumbrada a disfrutar
del vértigo de andar sobre la cuerda floja
pero sin patetismo ni ridículas frases
o cursis conclusiones. Prefiero
vomitar mis resacas sin palabras, sin ruido.
Escribo frases invisibles que solo yo puedo leer.
Grito, pero nada se escucha.
Me voy perfeccionando en el silencio.


   Moro, Lilliam. Contracorriente. Ediciones Diputación de Salamanca, 2017, p 25 (Prólogo: Carmen Ruiz Barrionuevo).
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sábado, 25 de novembro de 2017



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Dmitri Hvorostovsky (16/10/1962-23/11/2017) morreu em Londres, vítima de cancro no cérebro, com 55 anos de idade, após dois anos e meio de luta com a doença. Para mim, que tive oportunidade de o ver no Grande Auditório da Gulbenkian, ele era o maior barítono da atualidade. Uma grande perda no mundo da música e da arte em geral.
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                                                Romance moderno


   Seis meses bastaram para que soubessem tudo um do outro: que ela se orgulhava da intrepidez que uma tatuagem (um beija-flor plagiado do catálogo do estúdio) na virilha representava, que ele gostava de videogames, que ela lia Proust, que ele cursara um bacharelado em Física, que ela era fluente em francês, que ele se tornara fã de Godard, que ela saía com uma ruiva de dezanove anos, que ele não tinha muitos amigos, que ela trabalhava como free-lancer, que ele retocava o primeiro livro, que ela desejava se casar na igreja, de véu e grinalda, que ele viveria na Europa por uns tempos, que ela era mãe de uma menina de cinco anos, que ele afrontava o psicanalista duas sessões por semana, que ela e a filha moravam num apartamento quarto e sala, que ele era ateu, que ela o convidava para um jantar, no próximo final de semana. Depois de tanta conversa, concordaram que era hora de se verem. Já não se continham: logavam dez, onze vezes por dia e os papos se estendiam por horas: planejavam o noivado. No dia anterior ao encontro, um recado: ela lera cinco páginas do romance dele e que, a despeito de um ou outro clichê, a história prometia. Havia também uns detalhes sobre o estilo, mas nada que não pudesse ser resolvido e até gostaria que trabalhassem juntos na correção. Para, pouco depois, ele cancelar o encontro e digitar uma última mensagem: vou excluir o seu perfil dos meus contatos, não me procure mais, você não está me fazendo bem. Tchau.
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 Fraga, Whisner. Lúcifer e outros subprodutos do medo. Guaratinguetá: Penalux, 2015, pp 52-53.
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sexta-feira, 24 de novembro de 2017


           La merecían


LA lluvia que ha lavado las naranjas,
las últimas naranjas perezosas,
la limpia, la que viene ya sin barro.
Y esas naranjas que la merecían
solo por esperar hasta el invierno,
como merecen todos los que esperan.


 Mesanza, Julio Martínez Mesanza. Gloria. Madrid: Ediciones Rialp, S.A., 2016, p 35.
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quinta-feira, 23 de novembro de 2017


            Safo Dieciséis


LO más hermoso de la negra tierra
no es una carga de caballería,
no es el choque frontal de dos falanges
ni el blanco surco de una nave negra.
Lo más terrible de la hermosa tierra
es amar el desdén de quien amamos.


   Mesanza, Julio Martínez. Gloria. Madrid: Ediciones Rialp, S.A., 2016, p 26.
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quarta-feira, 22 de novembro de 2017



                         Partiste. Eu gelo...


Partiste. Eu gelo os dias
a conjugar os verbos da ausência -
modos e tempos da melancolia:
e com essa certeza vou vivendo.

E se longinquamente amanheceres,
se a tua ausência se medir      por anos,
uma nova gramática terei
d'inventar pois: para vencer desânimos.

Tu partiste - regressarás talvez,
e eu     preso à solidão     mas aguardando
ouvir teus passos leves no passeio
(uma igual ilusão... de quando em quando).


 Salvado, António. De Tão Cansada a Esperança seguido de Liames. S/c.: A.23 Edições, 2017, p 98.
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                          Cantar-te


Não cesso de cantar-te: a ti que és só
uma constante ausência e um desejo
de possuir-te      sem saber que forma
virás tomar ao pé de mim - surpresa

que ficarás por me encontrares:     próvido
de quantos sonhos      quantos desesperos
vividos revividos      em segredo
numa secreta e apaixonada voz


que ciciava dentro do vazio
do meu peito febril sempre a fremir
como eras tu     em ânsia     permanente...

Cantar-te: seja apenas a miragem
de te pensar     em dádiva a meu lado -
fruto do meu precário pensamento.


  Salvado, António. De Tão Cansada a Esperança seguido de Liames. S/c.: A.23 Edições, 2017, p 18.
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terça-feira, 21 de novembro de 2017



                    De Ávila a Salamanca


Para longe vão as nuvens.
Escapam ao íman dos campanários
das duas catedrais.

De Madrigal em flor a Salamanca,
de frei Luís a frei Luís,
pela Moraña verde,
desmonta-se também o horizonte.
Fulgor no meio das searas
acamadas após a tormenta.

Para longe vão as nuvens,
vão na busca do levante
e o Tormes corre forte e contido,
e o mundo está bem feito...
Eu entro na cidade como quem entra
numa melodia
de uma manhã de sábado,
toda por estrear, toda para mim,
toda eco e silêncio que se altera
ao compasso dos meus passos.

E apesar de só, eu sei que vou contigo,
que contigo faço meus os passeios,
já que o sol que me beija
é o mesmo que agora estás bebendo,
com a janela aberta,
olhando para outra cidade, com outra estranha
alegria de estares e não estares sozinha.

A praça sussurra pelas arcadas,
os cafés chamam-me
e eu compro o jornal,
e tomo esta manhã com açúcar,
vibrando enquanto passa e se despede
a penúltima nuvem,
pressurosa a caminho do levante.


  Aganzo, Carlos. Salamanca raíz de piedra y letras, Antologia Bilingue de Poesía Iberoamericana. Salamanca/ Fafe: Fundación Salamanca Ciudad de Cultura y Saberes/ Editora Labirinto, 2017, pp 51-53 (Coordinador y traducción: Victor Oliveira Mateus).
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           A iluminada colmeia


Húmido, intenso, um pouco melancólico,
regressa já dos montes negros o outono,
desce derramando-se pelas ribeiras de oiro,
até ao doce panal que é o mel das tuas pedras.
Esta cidade é como uma oração
de pedra em chamas.
(Deixai que, ao dizê-la suavemente,
adormeçam meus nervos e meus ossos.)

E lá no cimo, naquele ar tão puro,
(Oh, abismo infinito do azul!),
apenas o aroma da nossa ardente azinheira
- como reluz agora esta colmeia
da cidade antiga
ante um pesar qualquer!-
ou o da povoação, aquela que dorme na minha memória
repousando ao sol acobreado do vale
como ave em seu ninho.

Será de tijolo e pedra, e não de ramos e luz,
a casa que me cobrirá
neste tempo (fio de navalha)?
depois daqueles verdes
iluminados, secretos, de lagos e vilas alpinas,
depois de tanto mar e de tão sábia
leitura da luz
( aquela que me deu quanto sei e sou),
na pobreza e febre deste sereno piso,
na suave doçura destas pedras,
desfar-se-á tudo quanto é princípio e fim
da minha vida, a paisagem de minha alma?


  Colinas, Antonio. Salamanca raíz de piedra y letras, Antologia Bilingue de Poesia Iberoamericana. Salamanca/ Fafe: Fundación Salamanca Ciudad de Cultura y Saberes/ Editora Labirinto, 2017, p 37 ( Coordinardor y traducción: Victor Oliveira Mateus).
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segunda-feira, 20 de novembro de 2017



              Um Arco em Salamanca


Encostada a um dos arcos que protegem esta Plaza Mayor
           /que dela são parte essencial/
observo como pouco a pouco as luzes vão esmorecendo
em silêncio

Esse silêncio que sobre mim se abate com o frio da noite
e transforma
           este lugar que de dia foi colmeia
num silêncio doce que aumenta à medida
que a luz artificial desaparece
e dá lugar a uma Lua que se afirma
           delicada e terna
como virginal unha a despontar

Horas atrás      sob o sol
as quadradas pedras da Plaza Mayor 
            sussurravam como afinado coro

Na esquálida luz que vai escorrendo pelo vazio
deito um olhar à minha pele de mestiça americana
e recordo
o amanhecer

A estância ressoava com palavras
             /roçaram a pele encrespada do Atlântico/
voo de pássaros enormes
sussurros
premonições
que suavemente embateram na praia da Península
Uma orgia de palavras

Deixo a Plaza Mayor
                    deslizo
por uma rua ainda mais escura
levanto os olhos e mordo as estrelas
devoro-as com paixão
e caminho sorvendo os delicados sucos da Lua

Olho para trás e ali se mantém esperando
                     fiel
                     poderoso
com a força que lhe deram os séculos
o arco da Plaza aquele ao pé do qual plantei
o meu amor por Salamanca


 Rodas, Ana Maria. Salamanca Raíz de piedra y letras, Antologia Bilingue de Poesía Iberoamreciana. Salamanca/ Fafe: Fundación Salamanca Ciudad de Cultura y Saberes/ Editora Labirinto, 2017, pp 33-35 (Coordinador y Traducción: Victor Oliveira Mateus)
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sábado, 18 de novembro de 2017



Cualquier momento queda atrapado
entre las garras de algún abrazo estremecido,
nadie quiere ser culpable, sólo el destino
es el ceniciento de todas las sospechas.

... Se tejen las horas bajo la desnuda
sombra de los pinos, y se cubre el paisaje
con un aire de páginas desnudas.

El amenazador viento llegará hasta donde Dios
quiere que llegue.

Las eternas mareas del desierto se fundirán
con la algarabía de un nuevo amanecer,
y traspasará las entrañas de la tierra
que estarán tamizadas de nieve almacenada.

En el ir y venir alguien baila,
el inalcanzable ritmo de la alegría.

Hay un paréntesis entrecortado de silencio
en este vaivén increíble.

Es lento el viaje
donde el adiós se filtra hasta la suave
caricia de unos labios.
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  Sagüillo, Araceli. Desde entonces.. Valladolid: editorial Azul, 2014, p 105.
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No habito en una isla de arena blanca,
ni mi voz retumba prodigio del cielo y el mar.
Habito esta tierra de amor y barro,
donde el hastío se guarda entre aerosoles y promesas.

Habito este tiempo confuso y triste
a lo largo de algún jardín oscuro.
Me tranquiliza la torre de la iglesia
envuelta desde siempre en el misterio.

Llueve apuro la dulce caricia del agua.
Descalza, enredada en los charcos, adivino
alguna voz familiar pronunciando mi nombre,
dentro del sonido eterno admito lo imposible.

Cruza la sonrisa de un pájaro
en la mansedumbre de los charcos,
se clava el cálido gorjeo
sobre el regazo gris de algún misterio.
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  Sagüillo, Araceli.. Desde entonces. Valladolid: editorial Azul, 2014, p 83.
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sexta-feira, 17 de novembro de 2017



                          Edital


Ninguém 
espere o aviso
que vem
co'a madrugada:

O mensageiro
que era preciso
morreu na estrada
sem dizer nada.

Aprontem
o luto. O riso?
Foi ontem,
de madrugada.

Agora não é preciso
nenhum mensageiro
em nenhuma estrada.
Chorem. Mais nada.


  Jesus, Eduíno de. Os Silos do Silêncio, Poesia (1948 - 2004). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2005, p 334 (Prefácio de António Manuel Couto Viana; Posfácio de Onésimo Teotónio Almeida).
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terça-feira, 14 de novembro de 2017


           Retrato


Tenho uma pedra na voz,
uma flor no olhar; e seguro
com as mãos um pássaro de plumas verdes.
Aqui tens o retrato que me pedes.
         (E desculpa lá a pedra na voz:
         O coração está puro!)

No entanto, bem vês,
sou um escravo
da minha voz: Sigo
com os olhos o voo dos meus dedos,
          mas acabo
          sempre (ai de mim!) na dureza do que digo.


   Jesus, Eduíno de. Os Silos do Silêncio, Poesia (1948-2004). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2005, p 154 ( Prefácio de António Manuel Couto Viana; Posfácio de Onésimo Teotónio Almeida).
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segunda-feira, 13 de novembro de 2017


Sozinho e sempre

esperarei a Primavera
o reflorir dos ramos
o canto dos pássaros

sozinho e sempre

e com os dedos fincados
desesperadamente
nas cinzas

sozinho e sempre

esperarei a Primavera
o reflorir dos ramos
o canto dos pássaros


    Jesus, Eduíno de. Os Silos do Silêncio, Poesia (1948-2004). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2005, p 70 ( Prefácio de António Manuel Couto Viana; Posfácio de Onésimo Teotónio Almeida).
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domingo, 12 de novembro de 2017



É madrugada, hoje.

Corres a persiana, despedes o sol.

Pouso os olhos na areia,
escrevo-te um poema de amor.

Deixa-me morrer junto ao teu ombro,
onde a cabeça se encosta
na eternidade que começa.


    Reis-Sá, Jorge. Quase Outros Poemas. S/c.: A Casa dos Ceifeiros, 2017, 59.
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 A vida inteira esperei por ti.

 Mesmo que ainda não se tenha passado
 a vida inteira.


   Reis-Sá, Jorge. Quase Outros Poemas. S/c.: A Casa dos Ceifeiros, 2017, p 33.
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sábado, 11 de novembro de 2017



SEI DISSO, O POEMA É INÚTIL, APESAR DE ESCREVER
POESIA. Mas nem por isso me sinto substancialmente
melhor. Casado, pai de três filhos, netos exemplares, faço
tudo com o esmero do funcionário de estado. Director de
repartição. Não sou, note-se, um funcionário cansado.
Tenho músculos prontos para em cada manhã levantar
os netos, essas crianças que navegam no meu sangue e
acordam em sonhos distantes do mundo real em que me
encontro. Ponho na minha cara o sorriso mais feliz que
consigo. Sei que a minha mulher não é a amazona que
já foi e desejei lá muito atrás. Era uma puta formidável,
hoje é uma mulher doméstica, domesticada, uma san-
ta maternal, de olhar barroco, terno, adormecido - oh
puta de vida esta! Tenho músculos prontos para a guer-
ra, mas querem-me lento, ensonado, empregado, ma-
tando o tempo antes que ele me mate. Sou exemplar: no
futuro irão visitar-me numa qualquer cela de zoológico
para verem como despachava, carimbava, organizava a
minha vida anónima e vazia. Sou um animal enjaulado.
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  Cortez, António Carlos. Corvos Cobras Chacais. Lisboa: Editora Gato-Bravo, 2017, p 57.
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sexta-feira, 10 de novembro de 2017

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TENS PENSADO MUITO NISTO TUDO: nos ecos
que uma pedra produz ao embater no superfície marinha
da recordação. Os seus desenhos circulares definem
molduras, frases que foram tuas um dia. Alguma vez
esse nevoeiro iria surpreender-te: terás de perfurar
o orvalho frio do último dos círculos de sangue des-
sa flor venenosa onde os olhos são crateras: não vi-
res a cara à luta. Torna-te mestre dos teus fantasmas.


  Cortez, António Carlos. Corvos Cobras Chacais. Lisboa: Editora Gato-Bravo, 2017, p 39.
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quinta-feira, 9 de novembro de 2017


Lançamento do livro Noivos do Mar, Nº 13 da coleção contramaré da Editora Labirinto. Na foto: Henrique Levy (autor), Victor Oliveira Mateus (apresentador da obra) e Miguel Real (autor do Prefácio).


                   Nu


nu
junto ao portão da quinta
pés calçados no barro
as pernas cedros a tocar ciprestes
aguardam a glória dos lábios
de Caliope

os ombros
armas raras de sóis celestes
em encontros siderais
ouvem junto ao claro portão
o suspirar das rendas brancas do mar

nu
os teus olhos sacrificam
o tempo
saciando nos muros o orvalho
no mergulhar derradeiro da tarde

nu
és vida
a descansar bosques
na acesa tormenta
que os meus olhos invade

nu
sustentas a luz na memória
confusa da alma atenta
aos gestos das tuas mãos
afagos que sei esperar

o olhar molhado das nuvens ao passar
proclama o anseio de ser homem
cânticos de corpo em sede trocam sementes

nu
junto ao portão da quinta
crescem dores abrandam sonhos

se puderes
em lento voar nu
avança!


   Levy, Henrique. Noivos do Mar. Fafe: Editora Labirinto, 2017, pp 21-22 (Prefácio: Miguel Real. Posfácio: Inez Andrade Paes).
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terça-feira, 7 de novembro de 2017


  Enquanto os media daqui se mantiveram no mais absoluto silêncio quanto ao que se passou numa das mais prestigiadas Universidades da Europa, os jornais de Castela-Leão ( "Salamanca al Dia", "El Norte de Castilla", "Diario La Razón"...) continuam ainda a falar desses acontecimentos.,
ver aqui:  http://salamancartvaldia.es/not/163937/oliveira-mateus-esta-antologia-gestada-desde-portugal-ofrenda/
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Na foto, da esquerda para a direita: Alfredo Pérez Alencart, Doña Pilar Fernandez Labrador e Victor Oliveira Mateus.
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sexta-feira, 3 de novembro de 2017



                             Segredo


de súbito sem receios nem angústias
as tuas mãos sulcam as teclas de um piano
reclinado no prazer
em silêncio
oiço a saudade da memória
nas notas sonoras e vibrantes

escuta amor
na orla das praias d'águas a luzir
o murmúrio raro das ondas
a desenhar esferas mágicas
no sol amarelecido

beijo o teu corpo de pássaro
na convulsão vulcânica da ilha
que se abre luminosa
incendiando de música as águas

passa suave mais um ano breve

um rapaz canta no jardim
o segredo
- são flores, senhor, são flores...
confiadas a estes prados

- erguei as mãos, senhor, são flores...

o mar desnuda na terra
as brancas azáleas
nascidas em chão quente
como os fetos a urze o tamujo
batidos pelas marés e pelo vento

- são flores, senhor, são flores...


  Levy, Henrique. Noivos do Mar. Fafe: Editora Labirinto, 2017, pp 33-34 (Prefácio de Miguel Real. Posfácio de Inez Andrade Paes).
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quinta-feira, 2 de novembro de 2017




Esta sed se cuadrícula en la canícula,
danza al ritmo de las moscas que brillan sobre la mesa de la siesta.
En el fondo del recuerdo,
tengo la llave del desierto.
La mecânica de un rito se repite en el zumbido de la tarde
que se abre como un espejo en el tiempo.
Angustiosa y doméstica es la melodia de la tarde:
diseñada con pequeñas madrigueras
para anidar nuestros miedos.


 Leytón, Paura Rodríguez. Pequeñas mudanzas. Diputación de Salamanca, 2017, p 42.
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Quizá mordiste demasiadas veces la tristeza.
Te sangró la palabra.
Por el ojo de la ceguera
te manó el olvido.
Te salvaste.
Arropaste tus huesos.
Puliste tu alambique.
Con el corazón abierto,
latiste.


  Leytón, Paura Rodríguez. Pequeñas mudanzas. Diputación de Salamanca, 2017, p 28.
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quarta-feira, 1 de novembro de 2017



                 Circo de Feras, Xutos & Pontapés


Ai do verbo querer que tanto
Tem feito pelo equívoco
Da indecisão que nos remete
A saudade para o domínio da posse
E nos faz julgar incorrectos
Os passos dados até ao encontro.

Entretanto, a pausa para olhar
Em volta torna-nos
Mais silenciosos, menos dados
A processos de culpa ou de anseio,
A espera refaz sorrisos
E o abraço do primeiro encontro.


    Almeida, Rui. A Pedra Não Pode Ser Coração. S/c.: do lado esquerdo, 2017, p 34.
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