segunda-feira, 31 de agosto de 2015



noite. enquanto miles e coltrane
me invadem o quarto como se lhe
conhecessem o historial, penso em
ti. sopram flamenco sketches, esses
sopros a voz do ininterrupto que
aponta como tudo é anacrónico.
num conforto secreto e insosso
vou à janela e abro o quarto à
noite. pele morna salpicada de
sardas brilhantes a anos-luz.
é noite. e enfim percebo.




    Fraga, Amadeu Liberto. deriva e compósito. Lisboa: Glaciar, 2014, p 47.
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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

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XII 4


Ahora las diosas ya no bajan al Pireo incentivando a sus audaces protegidos, ni siquiera se sientan alrededor de Zeus padre, mirando hacia dentro del Canto V de la Ilíada, para después -prudentemente- tomar partido por Afrodita o por Atenea. Ahora las bellas y sobrehumanas ya no inspiran ni a Teócrito ni a Píndaro, ni limpian la mirada de Heródoto o de Tucídedes. Ahora las diosas ya no quieren ser inmortales y se sientan de madrugada en los bancos de Cais do Sodré bebiendo cerveza y recuperando, com el aire del río, las inflamadas mucosas nasales. Ahora las diosas - aún tan jóvenes y deseables - no bailan ya al volver de las aras de Lesbos o de Samos, perdieron las guirnaldas en el tranvía 28, rasgan sus túnicas en las terrazas de Príncipe Real y despiertan a un nuevo día - sin ni siquiera pensar en Lorca - allá por las cinco de la tarde. Ahora las diosas usan hasta pequeños esprays de bolsillo, no vaya algún fauno beodo a decir que su pecho arde   por ellas todavía.


Victor Oliveira Mateus, Negro Marfim (Ed. Labirinto, 2015. Trad. José A. García Caballero)
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terça-feira, 25 de agosto de 2015





            "  Pavimento  "


A musa não aparece, deve ter sido avisada,
e o poema não perdoa quando dás um passo
em falso. Cuidado com o que fazes
para conseguires o que queres. Tens um saco
de sal mágico, um minúsculo pára-quedas
e um sorriso destinado a confundir.
Tudo coisas que, porém, raramente funcionam
à primeira. Estando assim por tua conta,
só te falta perceber a inépcia dos travões
e o ângulo relativo no momento do impacto.


 
   Nogueira, Vítor. Segunda Voz. Lisboa: Averno, 2014, p 26.
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segunda-feira, 24 de agosto de 2015



                     "  Versos  "


Foi só uma vez, não posso condenar-te.
Deixaste para trás a tua própria sombra. Mas aquele
não eras tu. Não eras tu no teu perfeito juízo.


A sombra, em todo o caso, logo foi em teu socorro,
apanhando lentamente pedaços da tua vida,
versos e mais versos de proveito duvidoso.
E a verdade é que de pouco adiantou:
no final desse dia, como sempre, envelheceste.


Devias arranjar um ofício, rapaz,
um que seja útil, pôr de lado a poesia.
Quem mais recentemente declinou os teus serviços?


  
    Nogueira, Vítor. Segunda Voz. Lisboa: Averno, 2014, p 19.
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terça-feira, 18 de agosto de 2015





Trazei-me um homem honesto
a esta síria ibérica, com ele
partilharei saberes e sabores:
mesa e cama e um plano
de ruína dos muitos inimigos.


Não desdenhai minha oferta
por uma vez, que os próximos tempos
são de exuberância na multiplicação
de velhacos e canalhas, e nem será
o pior dos males!


Garantem-nos agora que já só resta
o mal para nossa enfermeira da bon-
dade, porque o bem não chega
para todos.




   Domingos, Paulo da Costa. "voici la poésie ce matin". Lisboa: Averno, 2014, p 17.
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segunda-feira, 17 de agosto de 2015





    " O que chegamos a entender "


No dia em que sabemos o que deixámos nesta terra,
invade-nos primeiro o desalento de tanto que não fizemos.
Depois consideramos a quem demos amor
e de quem o recebemos. Às vezes
surgem amigos do fundo da memória e dizem-nos
" sempre estivemos aqui" ;
e isso compensa-nos dos que julgávamos amigos e nos traíram,
com a naturalidade de quem também sempre ali esteve
para trair e não espera censuras,
porque essa foi a sua missão na terra.
De resto, trair e ser traído
são muitas vezes as duas faces de um mesmo rosto,
sereno e imutável
face à noite que cai.




   Mendes, Luís Filipe Castro. A misericórdia dos mercados. Porto: Assírio & Alvim, 2014, p 55.
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quinta-feira, 13 de agosto de 2015



Ó centro do prazer puro, partiste
E levas o que fui, entre arvoredos,
Como um balão fugido entre os dedos
Qual lágrima excêntrica caíste?
Eu que era tão soberbo no que eu era
Pisando sobre nuvens o meu trote
E ali engalanado fui dichote
De mim mesmo enganado fui quimera.
Ando sem gosto, amargo, sem esperança...
E agora estou tão só, oh, ando triste.
Não sei o que 'inda em mim 'inda resiste
Neste catorze de Julho... Viva a França!
Está frio. Sinto os rins. Nada me anima.
Vai alto o meu balão. Baixa auto-estima.


 
  Jonas, Daniel. Nó. Porto: Assírio & Alvim, 2014, p 40.
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terça-feira, 11 de agosto de 2015

Nota - Segue-se um dos meus poemas preferidos e que também integrará a obra já referida.
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       COMENTARIO DE ADRIANO A YOURCENAR




Somos los viajes que hicimos, el ansia de encontrar
en el alboroto de los hombres todas las ciudades que debíamos
construir. Somos esta inmortalidad a la que los dioses
nos condenaron y que ahora disfrutamos con la irreverente
naturalidad que algunos entienden por frialdad
pedante o por un aristocratismo que en verdad
nunca sentimos. Somos el azul inconfundible del Egeo
con sus islas y templos, con sus ruinas y colinas
donde las más antiguas voces todavía se levantan,
para después enmarañarse en agitada distracción
de los hombres. Somos este vacío que quedó, esta memoria
de lo que ninguno de nosotros consigue huir: tú a vigilar
un cáncer despiadado, yo con un ahogado entre los brazos.
¡Ambos derrotados antes de tiempo! Ambos con toda
la gloria que nos insistía, a pesar de nuestro cansancio,
de nuestro aislamiento, de nuestra hambre de silencio.
Somos esta culpa por no habernos entendido,
por no haber sabido leer ternura y merecimiento,
por haber dejado escapar lo que al final era
bien nuestro por derecho y corazón. Somos este fuego
que no tiene nombre. Este monstruo que todavía nos devora
y envenena las mañanas, cuando, insomnes,
tanteamos a ciegas la penumbra y no encontramos
sus rostros, sus cuerpos que se prolongan
de nosotros, su respirar que nos insufla la vida
y cuya ausencia nos dibuja hoy esta muerte
que se aproxima. Somos este aciago anochecer,
este trémulo deambular, que, en el soplo ordenador
del mundo, espera la barca que nos devolverá
todo aquello que no cuidamos como debíamos.




                                            (Traducciones de A. P. Alencart)
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Nota - versão castelhana do poema anterior. A tradução desta Antologia é de autoria de Alfredo Perez de Alencart.
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                   «FRENTE AL ESPEJO»


                                             ni piedra de un palacio,
                                             ni piedra de una iglesia;
                                             como tú,
                                             piedra aventurera.


                                          León Felipe, en «Como tú…»




Pensarme piedra desplazada y de aventura
muy diestra por exilios sobre la tierra
y entre formas donde la vida siempre yerra
en gloria (traicionera) que poco dura.




Dibujar mi senda disconforme y pura
en patrias marcadas de odio y guerra
que en la esperanza pérfida venganza hierra
armas de vileza que mi escrito clausura.


¡Pensarme piedra y nada más! ¡Maravilla!
Como ella, ser cosa callosa y cantante
a la orilla de la vida. Entre piedritas y gravilla


también pasar sobre mí: fugaz y circunstante
en busca de aquella madrugada que brilla
en lo que de mí quedará — claro y anhelante.




                   Victor Oliveira Mateus ( Traducción de Alfredo Perez Alencart)
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Nota - será publicada este ano, em Espanha, uma Antologia com poemas meus dos últimos anos. O soneto que aqui é postado, dedicado à figura e obra de Léon Felipe, é um dos inéditos que integrará a referida obra e que aparecerá, como é óbvio, na sua versão castelhana.
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                                    Frente ao espelho 

 

                                                  ni piedra de un palacio,
                                                 ni piedra de una iglesia;
                                                 como tú,
                                                 piedra aventurera.

 

                                                     Léon Felipe, In “Como tú...”

 

 

Pensar-me pedra deslocada e d’aventura
em destreza por exílios sobre a terra
e por entre estilos onde a vida sempre erra
em glória (traiçoeira) que pouco dura.

 
Desenhar minha senda inconformada e pura
em pátrias vincadas d’ódio e guerra
que na esperança pérfida vingança ferra
armas de vileza que minha escrita mura.

 
Pensar-me pedra e nada mais! Maravilha!
Como ela ser coisa calejada e cantante
à beira da vida. Entre seixos e gravilha

 
por mim também passar: fugaz e circunstante
em busca daquela madrugada que brilha
no que de mim ficará – claro e anelante.

                

 





Não sei o que fiz antes de te amar.
Não sei que vão comércio ou vã empresa,
Que Estrada percorri, que luz acesa
Deixei pra que voltasse pra apagar.
Foi tudo um sono, um rente entorpecer.
O que fizemos nós, tão sós no mundo?
Não sei que vão pensar meditabundo
Tornou sua razão razão de ser.
Nem lembro... somos breves, uma onda
Que quebra no olhar sua saliva
E a renda delicada rende aos seixos...
Mas hoje a minha vida quero-a viva!
Pensei que eram vigílias meus desleixos...
Agora a minha noite o dia ronda.




    Jonas, Daniel. Nó. Porto: Assírio & Alvim, 2014, p 20.
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segunda-feira, 10 de agosto de 2015



  " Versos do desconsolo "


fiquei com pouco tempo
para dar à claridade,
e as abelhas já não vêm
pôr mel dentro das rosas.


às vezes, a minha sombra
é um pedaço de risco,
qualquer coisa desavinda
a que o Sol quer dar sustento.


quem disse que a memória
é sempre muito antiga?


quem falou de uma aranha
para tecer a eternidade?


 
    Botelho, Emanuel Jorge. Fecho as cortinas, e espero. Lisboa: Averno, 2014, p 19.
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domingo, 9 de agosto de 2015





   " Epígrafe para um livro de horas "


resta muito pouco de tudo o que se quis;
um sorriso de bolso,
duas sextas-feiras de dar sorte,
e um quase nada de Lua.


o chão ficou sem pássaros
para catar sementes,
semeado, por inteiro, com pregos de cruz.


aqui já não se morre de morrer,
e até a morte está cansada.


e agora?




  Botelho, Emanuel Jorge. Fecho as cortinas, e espero. Lisboa: Averno, 2014, p 9.
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sábado, 8 de agosto de 2015





(...)


És apenas o rapaz debruçando-se
sobre a manhã, sobre o inconsolável


de uma morte súbita, definindo
o reconhecível corpo sob o lençol


que segue a linha do seu fim,
que exige milimétrica






reserva, prestígio de mãos hábeis,
o nada da sua morada.


Ainda abrigas a dura contenda
das serpentes no deserto?


Vais tomando-te por pedra,
pedra afagada por devorações e usuras






sem medida ou conhecimento
ou palavras que as tome


na sua espelhada dureza,
macias frondes em pedra brunida pelo vento,


pela água, pela acção
devolvida de um tempo geológico






que excede a doce sílaba
conquistada pelo pensamento.


Arde hoje, amanhã gritarás,
depois serás simplesmente oco,


o homem oco, a cabeça mineral
de olhos cerrados




    Quintais, Luís. O Vidro. Porto: Assírio & Alvim, 2014, pp 42- 45.
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sexta-feira, 7 de agosto de 2015



  "  A Carta  "


Senhores:
hão-de a dor e a ausência ter sabor,
um certo cheiro doce e demorado,
em forma de mil olhos


Pois vós olhastes essa minha ausência,
dissestes que dali criei palavras,
mas não por minha mão


Na vossa história, senhores,
eu fui só voz,
em vez de gente inteira


Inteira, nunca o fui,
dobrada ao meio pelo escuro das vestes,
pelas juras forçadas que cumpri,
pelo dever que me ditou meu pai


Porém, fui eu que as fiz, às letras dessas cartas,
eu, que as fui construindo devagar,
nas escuridão da cela


O resto foi roubado por vós
e noutra língua,
e em mitos que vos eram
necessários


Não fui só voz:
fui eu, dona de mim, porque as letras me foram, e o amor,
e o ódio vagaroso


Só para isso me valeu viver,
para compor, igual a sinfonia,
tudo o que considerei


Ele foi só palavras que em palavras forjei,
bigorna onde moldei espadas e lanças,
o lume necessário


Só não moldei
as grades da prisão onde vivi:
essas, moldastes vós
até incandescência


Mas eu, nas letras que compus,
eu inventei a ausência como mais ninguém.
Eu fui a mão da ausência
numa cela escura


E os actos dele foram-me as metáforas,
imagens a seguir-me, mais fortes
do que a vida.
Por isso me chamastes, senhores,
no vosso tempo, uma palavra nova e ágil:
literatura


E assim eu fui-vos voz,
e doce mito. E nada mais
vos fui


Quero dizer-vos hoje,
neste tempo tão escuro,
mas de um escuro diverso do que tive:
adeus


Deixai-me o escuro, o meu.
Porque ao lado da minha,
a vossa ausência, essa que em mim plantastes,
nada é.
Tomáreis vós saber o que é ausência


Ausência: eu: demorada nestas linhas.
Dizer com quanto escuro
a noite se desfaz
e se constrói -




  Amaral, Ana Luísa. Escuro. Porto: Assírio & Alvim, 2014, pp 52 - 54.
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