segunda-feira, 8 de agosto de 2016



   " Canto XI - O Pássaro Solitário "


Do alto da torre antiga,
ó pássaro solitário, para o campo
voas cantando até que o dia morre;
e a harmonia erra por este vale.
(...)
Ouve-se o balir dos rebanhos, o mugir do gado;
alegres, as outras aves, à compita,
pelo céu livre fazem mil rodeios,
festejando o seu melhor tempo:
tu, pensativo, olhas de lado tudo;
nem companheiros, nem voos,
não te importa a alegria, evitas os folguedos.
Cantas, e assim passa
da tua vida e do ano a mais bela flor.

Oh, como se parece
ao teu o meu viver! Divertimento e riso,
da tenra idade doce família,
e de ti, irmão da juventude, amor,
suspiro amargo dos passados dias,
não curo, não sei porquê; ou antes, deles
como que fujo para longe;
como um eremita e estranho
ao meu lugar de nascimento,
da minha vida passo a primavera. (...)

Tu, pássaro solitário, chegado ao fim
do tempo de vida que os astros te concedem,
da tua existência
não te queixarás; que da natureza é fruto
cada desejo teu,
A mim, se da velhice
o aborrecido limiar
evitar não consigo,
quando aos outros estes olhos já não inspirarem sentimentos
e vazio se lhes torne o mundo e o futuro
mais enfadonho e negro que o presente,
que me parecerá de tal desejo?
E destes anos meus? E de mim próprio?
Oh! arrepender-me-ei, e muitas vezes,
mas inconsolável, voltar-me-ei para trás.


  Leopardi, Giacomo. Cantos. Porto: Asa Editores, 2005., pp. 103-105 ( Tradução, apresentação e notas de Albano Martins).
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