segunda-feira, 17 de abril de 2017

(Nota: Yeshua, Jesus; Yosef, José; Mosheh, Moisés; Yahanon, João; Miriam de Magdala, Maria Madalena; Loukas, Lucas).
.
.
   Quando nos abraçamos, roço a minha face na dele, a fim de sentir a barba a arranhar-me. Nesses momentos, imagino que somos irmãos há muito separados numa antiga epopeia grega, que se reconhecem mutuamente pelo toque da pele - o que pode ser a razão por que, nesse momento, ele leva as minhas mãos aos lábios.
     - Costumas rir quando pensas no futuro? - pergunta-me, parafraseando um Provérbio.
   - Rio-me para que o teu querido pai Yosef, que está nos céus, também possa sorrir - respondo, adaptando um versículo dos Salmos.
   Yeshua e eu escolhemos mais uma citação de Mosheh para oferecer um ao outro. Foi a maneira que arranjámos de construir a nossa ilha. Sabes, Yaphiel, ele e eu passámos demasiado tempo com os nossos tutores quando éramos novos e tínhamos sede de um território sobre o qual tivéssemos domínio absoluto.
   Um facto curioso: nos meus sonhos, os olhos de Yeshua mudam por vezes de cor. Embora ele os tivesse castanho-escuros como os do pai, tenho-os visto azuis da cor do céu, verdes e, de uma vez, prateados - como o olhar refletor de Mosheh, cuja alma era feita da luz refletida pelas águas dos rios do Éden.
   Durante um tempo, enquanto lhe estudo a face, a sala e tudo o que ela contém desaparecem.
   - Só o agora existe - diz ele como se nos tivesse libertado do tempo. Abre as mãos. - Não é preciso apressarmo-nos.
   A solidão não tem de ser o meu destino, eis o que o meu pulso acelerado me diz. Esta é a ilha onde vivo sempre, mesmo quando não estou consciente disso.
   O tempo volta a correr quando Yeshua beija o meu filho na testa e o abençoa. Fala com tanta ternura que o mais estranho de todos os estranhos pensamentos que me ocorreram ao longo da vida surge dentro de mim sem ser convidado: Se ao menos pudéssemos ter tido um filho juntos...
   Será que o meu velho amigo me lê a mente ou que me escapou um comentário do meu filho, que teria feito com que a observação de Yeshua parecesse banal?
   - Teremos de esperar até a roda girar mais uma vez - diz Yeshua. - Usa a palavra grega kuklos para "roda" e, dado que os significados ocultos deste termo só podem ser revelados aos iniciados, não me é permitido dizer mais nada sobre as suas intenções.
   Terá Yeshua falado em voz alta, ou só na minha mente?(...)
  Uma visão é uma verdade superior que tenta entrar em nós através dos olhos. Mas o que deveremos chamar a palavras audíveis proferidas na mente de outra pessoa?
   Com o decorrer dos anos, Yohanon, Miriam de Madgala, Loukas e outros contaram-me que têm ouvido Yeshua dirigir-se-lhes dentro da mente...


 Zimler, Richard. O Evangelho segundo Lázaro. Porto: Porto Editora, 2016, pp 291-292.
.
.
.