domingo, 25 de dezembro de 2016


Há alguns anos assisti, na Bulhosa de Entre Campos e durante a apresentação de um livro, a uma discussão interessante entre o autor desse mesmo livro e o Prof. Eugénio Lisboa. Defendia este último, com aquela lucidez e o vasto saber que todos lhe reconhecemos, que apensar a um romance o rótulo de "literatura gay" seria afastar dele,, de imediato, todo um conjunto de leitores. Eugénio Lisboa ilustrou na altura a sua posição com um romance de Gore Vidal que ele considerava um excelente livro. Pessoalmente sempre me identifiquei com esta posição: nunca consegui perceber o que é literatura feminina, literatura masculina, literatura gay, literatura straight, etc.Nunca dei para o peditório de certos processos de rotulagem! Para o leitor compulsivo que sou, existem apenas temas, que são, foram e serão universais (a rejeição, o desamor, a angústia, a esperança, a melancolia, etc.) e existem igualmente procedimentos estílisticos inevitavelmente condicionados por variáveis históricas, sociais, políticas, etc. Se os grandes temas são abrangentes, já as referidas variáveis inserem-se, através de combinatórias múltiplas, em paradigmas que, teoricamente se assumem como explicativos e rígidos, mas na prática são bem mais fluídos do que aquilo porque se pretendiam. Vem isto a propósito do romance "Paris-Austerlitz" de Rafael Chirbes que aborda, através dos tais procedimentos estilísticos que não irei desenvolver aqui ( tempo narrativo descontínuo, apesar de analepses e resumos recusa de uma narração fragmentária, introspeção assumidamente proustiana do narrador, etc.,etc.), para além desses procedimentos, encontramos aqui temas que polvilham a literatura universal: o etarismo, que aqui é entre dois seres do mesmo sexo, e as condicionantes educacionais e económicas como fatores fundamentais nas ruturas amorosas. Este é o nó górdio da obra, bem como o fator que leva ao título do "El mundo": "O amor como armadilha mortal".
Estamos aqui, e no que diz respeito A UM DOS TEMAS da relação em si, longe do realismo "cru" de Michael Cunnynghan e de Edmund White; da metáfora social e política do "Line of Beauty" de Hollinghurst, do realismo decadentista e escatológico de Cyril Collard ou de Renaud Camus com o seu "Tricks". Rafael Chirbes, pela contenção e delicadeza da escrita integra-se, na minha opinião, em certas linhas do realismo lírico, onde poderemos encontrar escritores e obras como o italiano Pier Vittorio Tondelli e, o "Terre lointaine" de Julien Green, no que diz respeito àquilo a que eu chamei "o proustianismo" do narrador será interessante comparar este livro com as análises do mundo interior, feitas nos seus romances por Hervé Guibert, sobretudo no seu "A l'ami qui ne m'a sauvé la vie".


V.O.M.
.