segunda-feira, 15 de maio de 2017



            "Elegia de Varna"


Sinto que algo ficou irrealizado em mim.
Nota que vibraria o meu ser íntegro como um sino
e que não se feriu.
Adivinho-lhe a corda oxidando-me o peito.
Tocá-la tornaria os veios de ferrugem
nos rios mágicos do êxtase
                   e então eu seria eu
e não esta véspera encolhida,
este quase a medo murmurado,
este querer que se tolhe ante a areia dourada,
este silêncio náufrago,
esta solidão esmagada de estrelas.
                   E então eu seria eu
e tu, e sim, e além.
Não seria este não que sequer se profere
e que sobre o Mar Negro, hoje branco de fúria,
fita, desesperado, a gaivota que ousa
solitária
                    o mergulho.
Sinto que algo deixou de realizar-se em mim,
e esta falta grita e queima e consome.
Sigo nau incompleta, vento coxo, canto
falhado
e despedaço as asas poderosas
no abjeto cais das ânsias.
Sinto que algo ficou irrealizado em mim,
e esta página branca invade o meu ser.


  Horta, Anderson Braga. 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2003, p 32.
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