sábado, 15 de julho de 2017


                         Ninho  


Onde estão os versos
que escondem a casa de minha infância,
onde estão?
Não os encontrei
no meio dos prédios
nem no miolo do formigueiro
que apareceu aqui pela manhã.
O quintal era outro,
de que não me lembro.
Talvez tivesse varais,
pássaros, outros formigueiros,
tantas coisas mais
e um certo aroma de musgo.
Era a cozinha que dava para o quintal?
Era a cozinha enorme,
e enorme era Zica,
Zica e seus quitutes.
Foi ela que me passou a mão pela cabeça agora?
Acho que houve gêmeos,
separados por uma lâmina
da qual nenhum verso restou no mar.
Não posso ter certeza,
mas minha avó me visitou à tarde,
leu um livro de presente
e perdi a fome até o próximo.
À noite, o quarto surdo ainda ressoa medos
em algum corredor com o pai
(dele me lembro).
Outro dia, procurava uma rima,
abri a cortina e tomei um susto:
a lagoa virou cimento.
Gritei por meu irmão,
devia estar dormindo
ou meu lamento
não chegou ao seu castelo.
Procurei mais uma semana
pela casa escondida sob versos.
Finalmente amanheceu
e sonhei que ela mudou de cor, de bairro, de século.


   Franco, Rendrik F. Casas Geraes. São Paulo: Editora Iluminuras, 2016, pp 25-26.
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