" A Fábrica "
As negras chaminés, quais bocas tenebrosas,
Cospem no azul negros escarros pestilentos
Dum fumo que envenena as paisagens nervosas
E que os lúcidos céus nos torna nevoentos...
A fábrica trabalha, e silvos estridentes
Cortam, como uma espada, a trágica atmosfera.
Há rodas a girar, grandes fornos ardentes,
Terríveis como o olhar sangrento da Quimera!
Lívidos rostos, como lágrimas, orvalham
Os vapores que vão mover as engrenagens.
Há negros vultos revoltados que trabalham,
Enquanto o sol fecunda o ventre das paisagens!
Vem visitar, ó Dante, este medonho inferno,
Os negros antros do Trabalho e da Miséria...
Cavernas onde geme o sofrimento eterno
Que tem no rosto magro a palidez funérea!
Anda ver, ó Poeta, os antros do Martírio,
Os modernos Titãs que hão-de escalar os céus...
E nas forjas, a arder, as chamas em delírio,
Que, porventura, anima a cólera de Deus!...
E a bigorna onde forja a Dor o raio ardente
Que há-de o mundo imperfeito e injusto fulminar!
Mas nesta escuridão eu vejo claramente
O brando alvorecer dum místico luar...
E da Fábrica cruel, cheia de fumo e treva,
De grandes corações amargos, sofredores,
Um grande sonho, ó Deus, fantástico se eleva,
E envolvem a oficina estranhos esplendores!...
Pascoaes, Teixeira de. Para a Luz, in Obras Completas, Volume II ( Introdução e aparato crítico por Jacinto do Prado Coelho). Amadora: Livraria Bertrand, 2ª Edição, pp 75 - 76.
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