sexta-feira, 27 de abril de 2018


   O ambiente político está de novo agitado. Uma vez mais, os protestantes pegam em armas e aproxima-se a noite de S. Bartolomeu. Como o seu amigo La Boétie, Montaigne concebe a sua atividade política como um exercício de conciliação e de tolerância. O seu temperamento faz dele o mediador nato entre as partes e a sua verdadeira atuação na vida pública consiste em negociar acordos. A França deve ser huguenote ou católica? (...) Montaigne é o inimigo declarado de qualquer responsabilidade. Quer sempre escapar a decisões. Sábio numa época de fanatismo, procura a solidão e a fuga. Aos trinta e oito anos Montaigne afasta-se. Não quer servir ninguém a não ser a si próprio. Está cansado da política, da vida pública e dos negócios. É um momento de desilusão. (...) Montaigne não toma atitudes repentinas e que chamem a atenção. Não protesta nem intriga. Quem é ele, na verdade? Tem a impressão de que a sua vida, até àquele momento, foi falsa e agora quer viver de acordo com a verdade e meditar. É nos livros que espera encontrar a solução para o problema "da vida e da morte".
(...) Este adeus deve ser, para ele, mais do que um adeus aos cargos. É uma despedida do mundo. Até então, viveu para os outros, a partir deste momento quer viver para si próprio. Até ao presente, cumpriu o que o seu cargo, a corte e o pai exigiam dele, agora quer fazer só o que lhe der prazer. Depois de acumular experiências é o momento de lhes encontrar o significado e ir ao essencial.
   Michel de Montaigne viveu trinta e oito anos, agora quer saber quem é, realmente, Michel de Montaigne.
(...) O que procura é o seu eu que não pode estar submetido ao estado, à família, ao tempo, às circunstâncias, ao dinheiro, à propriedade; a este eu, a que Goethe chama a sua "cidadela" e a que Montaigne proíbe o acesso a quem quer que seja. Está decidido a refugiar-se neste canto isolado, assim como a afastar-se da antiga comunidade, dos filhos e dos burgueses.
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 Zweig, Stefan. Montaigne. Porto: Assírio & Alvim, 2016, pp 41-43.
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