segunda-feira, 30 de abril de 2018


   Alguns meses mais tarde, o rei escreve ao seu antigo conselheiro num tom menos caloroso para o atrair à Corte e parece que lhe fez também propostas financeiras. Mas se Montaigne está pouco disposto a servir, está menos disposto a que pensem que se vende. Orgulhosamente, escreve ao rei: "Eu nunca recebi quaisquer vantagens materiais dos reis, muito menos recompensas que nunca pretendi nem mereci e muito menos ainda qualquer pagamento pelos passos que dei ao serviço de Vossa Majestade... Eu sou, Sir, tão rico quanto o desejo." Sabe que teve êxito naquilo que Platão disse uma vez, que não há nada mais difícil no mundo do que deixar a vida pública de mãos limpas. É com orgulho que faz o balanço da sua vida (...)
   Pouco tempo antes da morte, os mais altos dignitários convidaram-no, o que ele não deseja nem espera. Quando se sente velho, quando é apenas um reflexo, uma sombra de si próprio, foi-lhe dado o que não esperava há muito, um raio de ternura e de amor. Ele dizia com melancolia que talvez só o amor o pudesse ainda despertar.
   E eis que o inacreditável acontece. Uma jovem, Marie de Gournay, um pouco mais velha do que a mais nova das suas filhas que ele acaba de casar, pertencente a uma das melhores famílias de França, apaixona-se pelos livros de Montaigne. Ela ama-o, idolatra-o, encontra nele o seu ideal. Em que medida este amor não era somente dirigido ao escritor, mas também ao homem, eis o que é difícil concluir, como sempre acontece em casos semelhantes. Mas Montaigne vai muitas vezes encontrá-la, está meses junto dela, no castelo da família, nos arredores de Paris, a sua "filha de aliança". Confia-lhe a mais preciosa herança: a publicação dos Ensaios, depois da sua morte.
   E agora só lhe falta conhecer uma última coisa, a morte, ele que estudou a vida e experimentou de tudo. Morreu sabiamente como tinha vivido. O seu amigo Pedro de Brach escreve a Antony Bacon dizendo que o senhor de Montaigne - aquele que foi o espírito mais completo que jamais existiu - "teve uma morte serena, depois de uma vida feliz" (....)
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. Zweig, Stefan. Montaigne. Porto: Assírio & Alvim, 2016, pp 90-91.
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