quarta-feira, 12 de novembro de 2014





amo-te por dentro deste sentimento
alegre e ácido sabor a pele
derramado em condimentos
amo-te assim sem jeito nem leito
onde pousemos juntos plenos unos
amo-te em contratempo
sem corrimão em contramão
sem alpendre nem rede
para amenizar
o furor de ambas
as asas com que me casas
à tua mão à tua boca
ao teu sorriso de pão.
amo-te fora de horas
quando as horas avisam, a luz alumia
imprevista e o amor palpita em meu colo
em meus seios acesos
no meu dorso
em ânsias doces inapeláveis
inalcançáveis. amorais, pois puras
de pleno sentir.


amo-te como há tanto nem tanto


amo-te como há muito não muito


amo-te. como o olhar cala a lágrima
   como o gesto resguarda a mão
   como o trilho inverte o passo
amo-te sem queixas,
   dolorosamente atenta ao que não
dizes
   amorosamente intensa porque não
calas
    loucamente sã do obscuro ciclo das
falhas


amo-te com a palavra por dizer
no verso travesso a escapar-me
entre os dedos
entre os veios da ungida carne que me
honra
amo-te destemidamente aquietada
pela distância


(nunca tal lonjura tão perto me habitara)


e amo-te
ainda e sobretudo
sem razão nenhuma
sem motivo nem esperança
de que algum dia
também, tu, me ames
meu amor.




  Toscano, Maria. Poemas do Sul em Cinco Cantos. Canto I - Da Terra. Coimbra: Edição SulMoura, 2014, pp 51 - 53.
.
.