terça-feira, 5 de janeiro de 2016


O que o conceito moderno do amor, arraigado na individualidade concreta, herdou de Platão foi o sentimento de que, no amor, vive algo misterioso, para além da efectiva existência e do encontro acidental, para além do efectivo desejo sensual, para além da simples relação afectiva. Também nós detectamos no amor um significado metafísico, de algum modo atemporal - só que não podemos, à maneira simples do pensamento plástico-substancialista do grego, defender o nosso ponto de vista localizando-o além do vivido imediato. Aqui também se anuncia sobretudo o grande problema do espírito moderno: tudo o que, pelo seu próprio sentido, vai para além dos dados dos fenómenos vitais deve encontrar um lugar no seu próprio interior, em vez de se transportar para um exterior igualmente espacial. Não se trata de síntese do finito e do infinito, mas de unidade natural da vida. A vida revela o que é mais do que a vida. Nesse carácter supra-individual reside - não o desconhecemos - um valor, uma libertação, um ponto de apoio, ao qual não renunciamos de todo. Do mesmo modo que na ética temos como ideia de uma "lei individual" essa severa normalização do comportamento individual que, no entanto, não podemos continuar a encerrar num imperativo geral abstracto, também deve haver algo assim como uma lei individual do erotismo; na relação incomparável entre indivíduos não comparáveis reside um significado inteiramente limitado a essa relação, mas que supera a sua fenomenalidade superficial - que não é dominada ou justificada por uma ideia geral da beleza, do valor, do que é digno de amor, mas justamente pela simples ideia dessas existências individuais e da sua consumação.

  Simmel, Georg. Fragmento sobre o amor e outros textos. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2004, pp 112 - 113.
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