sábado, 17 de março de 2018



                      21.


Que era o homem antes do homem,
o homem que pelos vistos não tem uma natureza humana
a tempo todo, a tempo inteiro, uma natureza má,
maldosa: uma natureza que lhe confere a forma modelada
à imagem das pessoas que conseguem coisas, não digo assombrosas,
prodigiosas, tal como as do mesmo objecto
em dois lugares - pouco, pobre! - mas coisas que fazem acontecer
tudo quanto e ao mesmo tempo nós?
Nós: condenados a repetir e ao ritmo de uma respiração
subatómica, o que nelas, coisas, a palavra sofre; pois ele é, por certo
e dentre todos, o homem o animal que se reclama pensar ser
o que mais sofre.
Ora. Se amar é, como o dizem, pensar alguém que nos é igual,
igual a nós, prescindamos então de interrogar as formas
que nunca estiveram sós no espaço em que nos empenhámos em desejar
humano o homem: contudo, não humano demais para conter
O que não pode dar-se a conhecer.


  Chiote, Eduarda. Fiat Lux. Porto: Edições Afrontamento, 2017, p 29.
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