quinta-feira, 24 de julho de 2014

  


            "  Habitat  "




vago marasmo de lianas podres
lugar que prossigo e onde exerço
a profissão de mago domador de cometas
entre crianças doentes e assassinas
perseguido por inábeis clowns sonolentos
com movimentos exsudando veneno
e as mãos cobertas de visco


horizonte de febre mergulhado em faróis cegantes
as palavras regressam degradadas
muscularmente trituradas     alucinadamente nítidas
no esforço de uma gigantesca corola de guindastes


ao iniciar de um novo ciclo
sinto-me cansado para a condescendência quotidiana
e quando intento utilizar a luz suspensa
cerca-me a população distraída e suicida


o método dos mortos vegetais
é ainda a minha tarefa de combate no tempo total
no tempo incolor    inodoro    absoluto    contínuo


as cidades oferecem a sua ausência iluminada
são aqui o farol de madeira e de carne
no espírito heróico da viagem
e os seus rumores pequenos miseráveis
apenas aderem confusamente à esteira do leme


navio sem bandeira
risca sua trajectória placidamente
como um voo de pássaro
através da música que a chuva
tamborila na noite


o porto é um limite que se afasta
e o lugre é uma presença única
na imensidão da treva




   Castro, Manuel de. Bonsoir, Madame. S/c.: Língua Morta, 2013, pp 67 - 68.
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