quinta-feira, 10 de dezembro de 2015


   É assim que o cidadão português se encontra hoje, 2015, em estado socialmente perturbado, desprovido de uma instituição em que possa confiar, disposto a tudo para conseguir sobreviver e legar aos filhos algum pecúlio e desconfiado do Estado (...). Isto é, o cidadão português encontra-se hoje em autêntico estado sonâmbulo, suspeitando de que tudo o que conseguiu como fruto do seu trabalho lhe pode ser sonegado por um acto voluntário do Estado (as pensões, por exemplo), que já provou respeitar escrupulosamente os seus compromissos externos, mas, vergonhosamente, desdenhar os seus compromissos para com os cidadãos do país que governa.
   Com efeito, o cidadão português não pode hoje confiar no seu Estado, instituição permanente cuja solidez ética deveria deixar publicamente transparecer um forte grau de credibilidade social. (...) assiste-se ao caos social e económico derivado do incumprimento da modernização de Portugal, gerando um país não só bloqueado na sua esperança de futuro como, sobretudo, arrastando uma existência sonâmbula, cujas consequências estão historicamente longe de ser consciencializadas na sua totalidade, como a diminuição de meio milhão de jovens no todo da população (uma situação com consequências nefastas até ao final do século (...).
   Portugal como país sonâmbulo significa que ficou a meio do caminho da consumação plena da modernização europeia (...) sonho não só permanente da história contemporânea de Portugal como considerado realizável no final do século XX. E não foi. Os anos recentes destruíram o sonho e abalaram as suas raízes históricas.
   Somos um país parado no meio do caminho. Um país governado por uma elite político-administrativa (...) já que guiada por uma espécie de "fanatismo orçamental": tal como os estalinistas europeus acreditavam piamente na doutrina emanada do Kremlin, tornando-se insensíveis aos crimes e assassinatos cometidos por Estaline, assim o grupo neo-liberal que tem recentemente governado Portugal acredita pia e dogmaticamente na cartilha financeira estabelecida pelos "mercados", tornando-se insensível aos índices  de pobreza da sua população.


   Real, Miguel. Portugal: Um país parado no meio do caminho 2000-2015. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2015, pp 69 - 71.
.
.
Nota - Em várias passagens deste livro o seu autor refere sempre que a sua análise se debruça apenas sobre o 2º governo de José Sócrates e os dois governos de Passos Coelho. Esta obra avança ainda com uma riquíssima bibliografia que vai do Padre Manuel Antunes a Ricardo Paes Mamede e Gabriel Magalhães.
.
.
.