quarta-feira, 16 de dezembro de 2015


                             "  O Sebastianismo e Sampaio Bruno  "

1. Em A Ideia de Deus (1902), com elementos de fundo providencialismo messiânico em O Encoberto (1904) e no livro póstumo Os Cavaleiros do Amor, Sampaio Bruno defende quatro teses:
1.1. Uma visão heterodoxa de Deus: este não se constitui como suma perfeição moral e bem supremo a não ser como ideia e desejo na mente do Homem europeu, contaminado pela propaganda de séculos da Igreja Católica; Deus é, em si, imperfeito, sofrendo um processo de Queda, de Divisão e Cisão geradora de movimento, de matéria e de mundo e, portanto, é igualmente o criador e o responsável pela existência do Mal;
1.2. O Homem, produto dessa Queda divina, é ele próprio instrumento de regeneração dos seres e da redenção de Deus;
1.3. Deus não se revelou ao Homem de uma vez por todas como monumento bíblico; diferentemente, o Homem vai progressivamente revelando Deus a si próprio através de uma ascensão do espírito fraternal: "O fim do homem neste mundo é libertar-se a si próprio, libertando os outros seres" ( A Ideia de Deus, (1902), 1987, p. 349). A libertação do homem pelo homem significa que a face de Deus que habita o Homem se encontra encoberta, velada, desvelando-se paulatinamente: "O Homem é que é o Encoberto.";
1.4. O messianismo português, como traço essencial da cultura portuguesa, vivendo da ânsia da revelação do "Encoberto" (D. Sebastião), assume assim um papel dominante na evolução histórica, evidenciando uma nova religião (ou uma nova re-ligação) da multiplicidade e heterogeneidade dos seres à unidade irrefragável do homogéneo ou Único, eliminando-se, assim, por depurações espirituais sucessivas, a existência do Mal - "porque precisamente eliminar o Mal é o fim do homem, único e supremo" (p. 351).
(...)
4. Amorim de Carvalho, interpretando a totalidade do sistema metafísico de Sampaio Bruno, propõe um esquema de leitura de A Ideia de Deus muito correcto: ao Deus-homogéneo sucede, misteriosa e inexplicavelmente, a queda de Deus, originando o mundo em si, o Heterogéneo, dando nascimento ao mal como absoluta prova do afastamento de Deus dos seres, a que se segue a redenção destes pela consciencialização e cooperação com Deus, reintegrando-se cada ser, individualmente, em Deus, de novo Homogéneo (...).
5. Neste sentido, Sampaio Bruno desloca a essência do mito e do movimento sebastianistas para a totalidade do Homme ou da Humanidade. Na verdade, o Encoberto não seria D. Sebastião mas o Homem na sua universalidade: "Dissipe-se a nuvem que encobre o herói. O herói não é um príncipe predestinado (...). Não é mesmo um povo (...). É o Homem" (Sampaio Bruno, O Encoberto, 1904, p 379). O sebastianismo seria, assim, a expressão em Portugal de um movimento ontológico construtivo de toda a humanidade: o messianismo.


   Real, Miguel. Nova Teoria do Sebastianismo. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2014, pp 158 - 163.
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