sábado, 12 de dezembro de 2015

   Ler hoje Eça constitui um bálsamo para suportar a farsa, por vezes trágica, por vezes jocosa, em que Portugal se tornou desde a década de 1990, quando a direcção política dos pais fundadores da democracia foi substituída por "jovens turcos" provindos do Algarve, das Beiras e do Norte, crescidos e enformados no interior dos partidos, possuindo uma visão instrumental de acesso ao poder e de engrandecimento (e até de enriquecimento) individual, e não de nobilitação das populações. Concentremos a nossa esperança nas elites futuras e não esperemos nada de redentor das presentes senão aquilo a que um resto de pudor cristão, bom senso e a legislação europeia as obriguem a fazer.
   Entretanto, leiamos Eça, sublimando o facto de Portugal atravessar uma época de profunda mediocridade geral, onde, à semelhança do final da Regeneração, de novo impera, avassaladoramente - como Eça desmascarou -, a democracia sem valor nem mérito, a omnipotência do dinheiro, o império de uma educação sem alma, inspirada por ministros de olhos numéricos e mente vazia, e o esboroamento dos antigos valores humanistas europeus da generosidade, da honestidade e da espiritualidade.


  Real, Miguel. Portugal: Um país parado no meio do caminho 2000-2015. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2015, p 146.
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