quinta-feira, 3 de dezembro de 2015


   A esperança de Yves ia baixando dia a dia, como o nível das nascentes. Tornava-se azedo. Aborrecia a família por ela não lhe descobrir uma auréola à volta do rosto. Cada pessoa, sem maldade, quebrava-lhe o orgulho dizendo: "Se te espremessem o nariz, deitava leite".
   Yves imaginava que não tinha mãe: as sua palavras afastavam-no, picadas que as galinhas vão dando aos pintos crescidos obstinados a seguirem-nas. "Se lhe tivesse explicado tudo", pensava, "ela não o entenderia. Se ela tivesse lido os seus poemas, tê-lo-ia chamado louco".
   Yves desconhecia que a pobre mulher tinha acerca do seu filho mais novo uma ideia mais acertada do que ele supunha. Não poderia dizer em quê, mas sabia que era diferente dos outros: como um cão de caça que saísse duma ninhada com marcas de cão de guarda...
  Não eram os seus que o desprezavam; era ele próprio quem se sentia miseràvelmente inferior. Aborrecia os seus ombros estreitos e os seus braços magros. E no entanto viera-lhe a tentação absurda de saltar uma noite para a mesa do salão da família gritando: "Sou um rei! Sou um rei!"
   - É da idade; isto há-de passar....- repetia a Sra. Arnau-Miqueu a Blanche, que se lamentava. Não se penteava, lavava-se o menos possível. Visto que o Mercure ficava silencioso, que Jean-Louis o abandonava e que ninguém viria a saber que um poeta admirável nascera em Bordéus, contentaria o seu desespero tornando-se mais feio, enterraria o seu génio num corpo descarnado e sujo.

  Mauriac, François. O mistério dos Frontenac. Lisboa: Editora Ulisseia, 1956, pp 67-68 (Tradução de Luís Forjaz Trigueiros).


Nota - respeita-se a grafia da época.
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