Texto publicado ontem, dia 24/11/2014, no site português "Das Letras" e no site brasileiro " zona da palavra":
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Maria
Toscano e o Canto Da Terra
Victor Oliveira Mateus
Maria Toscano, natural de Campo Maior
(Alentejo), Doutorada em Sociologia pelo ISCTE e atualmente Professora
Universitária em Coimbra, vem desenvolvendo uma longa e abrangente actividade
no campo das mais diversas áreas: teatro, canto, leituras encenadas, etc.
Aliás, é forte a ligação de Maria Toscano à música, já que começa a estudar
piano e acordeão em 1969 e mais tarde, em 1983, recebe mesmo aulas de canto.
Apesar deste intenso labor, é na escrita que se tem vindo a afirmar, quer como
colonista do semanário virtual “Incomunidade”, quer como colaboradora de várias
Antologias de Poesia das quais destaco “O Prisma das Muitas Cores” que tive a
honra de organizar, quer ainda na sua regular publicação poética: Maria Toscano
tem, até ao momento, oito livros de poesia publicados.
Esta autora propõe-se apresentar-nos agora
um ambicioso e original projeto intitulado “Poemas Do Sul”, obra que consta de
cinco volumes correspondendo cada um deles a um Canto determinado e dotado de
uma cor específica atribuída pela própria poeta. Convém aqui enfatizar o
extremo bom gosto e o equilibrado design que subjaz a todo este projeto, que se
ordena numa sequência de cinco “Cantos/Volume”: “Canto I. Da Terra”, ”Canto II.
Das Marés”, “Canto III. Dos Sóis”, “Canto IV. Da Fala”, “Canto V. Do Branco”.
No primeiro volume destes “Poemas do Sul
Em Cinco Cantos” predominam os poemas longos de verso curto, que é, aliás, uma
das características da produção desta poeta, e onde esse mesmo verso curto
chega, por vezes, a não ter mais do que uma palavra (Cf. pp 35-36 e pp 86-88).
As estrofes, que podem chegar a alongar-se por uma/duas páginas, são, em certos
momentos, entrecortadas por monósticos, dísticos ou tercetos, que nem sempre –
e este é um dos aspectos interessantes desta tessitura poética! – desempenham,
na estrutura poemática, um papel idêntico, assim, poder-nos-á surgir: um
terceto com função enfático-conclusiva (p 20), um monóstico como reforço ou
mero momento de respiração da leitura (p 10 e p 53), dois monósticos como
momento introdutório à estrofe longa que se avizinha (p 52), enfim, são
múltiplas as opções de Maria Toscano quanto a este recurso estilístico.
Esta poesia, apesar de possuir uma assumida
tónica no sentido, recorre com frequência a jogos alicerçados na repetição de
palavras ou até mesmo de cariz anafórico, como modo de adensar a musicalidade
do poema:
das
vezes que vos falei insisti
insistindo
na pureza do sentir.
mãos
brancas
passos
firmes desbravando
o
caminho insisti insistindo
na
leveza do viver.
ombros
amplos tronco erguido
insisti
acolhendo os opostos
insistindo
na sageza do ceder
insisti
insistindo
na verdade do amor simples
do
simples ser.
(p 21)
E
aqui reside alguma da originalidade da obra de Maria Toscano, que advém do
facto de ela conseguir uma voz própria mediante uma conjugação bem doseada de
uma poesia “engajada” e de olhos postos no social (Cf. 124), pois é difícil
ler-se este livro sem nos lembrarmos da poesia de Manuel da Fonseca ou, até
mesmo, de outros poetas que permaneceram na sombra como Sidónio Muralha e
Eduardo Olímpio, mas, e ao mesmo tempo, esse legado é inserido em procedimentos
e olhares assumidamente modernos (Cf. pp 113-116, pp 121-125). Daqui resulta
uma escrita circulando entre o enternecido peso da memória (são vários os
poemas onde se fala de presépios, do pai, do musgo...) e o de um futuro almejado,
muitas vezes geminado com uma certa veemência do dizer, não é, pois, por acaso
que um dos versos alude a Natália Correia. No entanto, e convém ressalvar, o
social de que se fala aqui não é o das grandes urbes com os seus rituais e
desilusões, mas antes os pequenos aglomerados populacionais, as pequenas
cidades, os montes semeados a eito, é de toda essa gente que- para além de
falar de si própria – fala a poesia de Maria Toscano numa mescla de assunção e
inconformidade:
falar-te,
longamente, das brancas coisas do Sul...
começar
pelos marcos a dar nome
às
vilas a largos a ruas.
ou
começar pela fachada lisa
caiada
a preceito bordejada
de
amarelos e, mesmo, de azuis
partilhando-se
como preto de ferros
puxadores
varandas e janelas.
abrir
a meia-porta e confirmar
a
cal perseverando lá dentro.
deixar-te,
então, passar à frente
amiudando
os cobres e os estanhos
brunidos
areados luzidios
(...)
( p 105)
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