quinta-feira, 5 de novembro de 2015

                                    Acto II, Cena V


FEDRA:

(...)
Mas não, fora antes eu primeira nesse intento:
inspiraria amor logo o meu pensamento.
Sim, eu, Príncipe, sim, eu com útil socorro
a vós do Labirinto ensinaria o forro.
Quantos desvelos meus por vossa formosura!
A amante um fio só não faz sentir segura.
Companheira do risco a que íeis prontamente,
eu mesma quereria andar à vossa frente.
E Fedra ao Labirinto então sendo descida
seria já convosco ou achada ou perdida.

HIPÓLITO:

Deuses!, o que ouço eu? Senhora, heis esquecido
que Teseu é meu pai e que é vosso marido?

FEDRA:

E porque é que julgais que eu perco tal memória?
Senhor? Terei também perdido a minha glória?

HIPÓLITO:

Senhora, perdoai. Confesso, penitente,
que acusei sem razão falas de uma inocente.
À vossa vista em mim vergonha não resiste
e eu vou...

FEDRA:

                   Ah!, tu, cruel, me ouviste e bem ouviste.
O que te disse é mais do que esclarecedor.
Pois bem! Fedra já vês em todo o seu furor.
Amo. E não vás pensar que a amar-te em tal momento
a mim vou aprovar enquanto me inocento.
Nem que do louco amor, veneno da razão,
cobarde e complacente eu nutri poção.
Infortunada sou: vinganças são celestes,
e abomino-me mais que quanto me detestes.
Testemunham-mo o Céu e os Deuses que em meu flanco
põem meu sangue a arder nesse fatal arranco,
os deuses de quem foi só glória e cruel mal
trazer a sedução a um coração mortal.
Na mente agora tu recordes o passado.
Fugir-te pouco foi, cruel, foste expulsado.
(...)
E eu sofri, eu sequei, a arder em fogo e pranto.
Bastava o teu olhar para te convencer
se um momento esse olhar a mim pudesse ver.
(...)
Coração que tanto ama é fraco a projectar!
Ai de mim!, só de ti é que eu pude falar.
Vinga-te a castigar-me um odioso amor.
Digno filho do herói de teus dias autor,
ao universo tira um monstro que é insólito.
Viúva de Teseu ousando amar Hipólito!
Crê-me, esse monstro atroz não pode já fugir.
Eis o meu coração. E o podes atingir.
Impaciente expia assim ofensa tanta
e já para teu braço eu sinto que se adianta.
Fere. Ou se acaso crês o golpe indigno fosse,
se teu ódio me inveja um suplício tão doce,
ou se de um sangue vil a mão te era manchada,
na falha de teu braço empresta-me essa espada.
Dá.

ENONE:

         Que fazeis, Senhora? Ó vós, ó Deuses rectos!
Mas vem gente. Evitai olhares indiscretos.
Vinde, entrai e fugi vergonha assegurada.


  Racine, Jean. Fedra. Lisboa: Bertrand Editora, 2005, pp 85 - 89 (Edição bilingue com tradução de Vasco Graça Moura).
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