segunda-feira, 21 de abril de 2014

 
- Nesse caso o Tinito guia o carro, decidiu a avó.
E foram, e deixaram a casa no maior sossego.
Subi para o meu quarto e deitei-me a ler em cima da cama.
Quando estava embrenhado no leitura bateram à porta do quarto. Pancadas leves, delicadas, e interroguei-me quem poderia estar batendo assim.
- Entre, disse um pouco a medo.
Era o Tinito, que entrou e fechou a porta à chave.
- Mas?...
- Cala-te, patrão. Não digas nada se não queres ser violado à bruta. Pensas que podes andar todos os dias em cima de mim com esses cabrões desses olhos azuis?
Quando acabou de dizer estas palavras já estava nu (...). Ia a dizer amo-te, mas ainda pensei que não devia pronunciar nenhuma palavra que me comprometesse para além das coisas do corpo, isso quando estava lúcido, porque logo perdi a noção do conveniente, do tempo, do espaço e das palavras e cedo compreendi que amo-te é uma palavra bem pobre (...).
Saiu cintilante do banho, nu (...) chegou-se a mim, ainda despido e mordeu-me a nádega com força (...) Foi-se embora como tinha chegado, sem beijos, sem carícias, sem despedidas. Só me olhou da porta, mordeu o beiço a sorrir, e saiu.
A ferida no meu rabo começava a sangrar.
(...) Num dia em que não resisti a passar pela cavalariça durante a tarde, perguntou-me:
- Ainda tens a marca?
- Qual marca?
- A marca que eu te fiz. Não finjas.
- Acho que não. Mas não passo a vida a olhar para lá, como deves calcular.
- Pois, calculo.(...)
A marca. Claro que tinha a marca (...). Que marca é essa, tinha perguntado o Hugo.
Um cão, imagina. Um cão vadio que apareceu por ali. Fui fazer-lhe uma festa e ele rosnou-me. Quando me virei apanhou-me por trás. Deu cabo dos meus jeans (...).
Decidi não voltar durante muito tempo. Mas o destino pouco liga às nossas decisões. Havia de encarregar-se de me fazer, querendo ou não, cumprir a minha.
 
 
 Faria, Rosa Lobato de. A Alma Trocada. Porto: Asa Editores, 2007, pp 70 - 77.
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