quinta-feira, 10 de abril de 2014

 
 
Pentesileia:
   À medida que me aproximava do Escamandro, e que os vales por onde passava repercutiam o eco da guerra de Tróia, a dor fundia-se-me no peito como neve ao sol e a alma dilatava-se-me ante o vasto mundo dos jubilosos combates. E ocorreu-me, então: se todos os grandes momentos da História passassem de novo diante dos meus olhos, se toda a galeria de heróis, que os hinos celebram, baixasse até mim dos astros, não encontraria ninguém mais excelente, nem mais digno de ser por mim coroado de rosas, do que aquele que a mãe me destinou: o Amorável, o Indómito, o Doce, o Terrível - o vencedor de Heitor! Ó filho de Peleu, tu ocupavas constantemente o meu pensamento, quando eu estava acordada, e eras toda a trama dos meus sonhos! O universo estendia-se à minha frente como uma imensa rede; em cada uma das suas malhas, encerrava-se um dos teus feitos (...) E lágrimas ardentes jorravam-me dos olhos quando pensava, ó guerreiro implacável, que talvez fosse chegada a hora em que um sentimento comoveria o teu coração de mármore.
 
Aquiles:
   Querida rainha!
 
Pentesileia:
   Mas, ó meu amigo, qual não foi a minha perturbação ao avistar-te em pessoa, quando me apareceste pela frente, no vale do Escamandro, rodeado pelos heróis do teu povo - uma estrela matutina entre pálidos astros nocturnos! (...) E fiquei como cega, quando, qual aparição, desapareceste do meu horizonte - assim fulmina o raio o chão, durante a noite, sob os pés de um viandante, ou se abrem e fecham com fragor as portas do esplendente Elísio para acolher uma alma bem-aventurada. Nesse mesmo instante, Pélida, adivinhei a natureza do sentimento que se agitava no meu seio. O deus do Amor atingira-me com a sua seta. Posta perante um dilema, não tardei a decidir-me: ou vencer-te, ou morrer. Para onde olhas? (...) Mas, enfim, o que se passa?
 
Aquiles:
   Nada - nada receies, minha rainha! Comprende: porque o tempo urge, sou forçado a revelar-te o destino que os deuses te reservam. Sem dúvida que te pertenço pela força do amor, e essa cadeia usá-la-ei para sempre. Mas, pela sorte das armas, és tu quem me pertence; foste tu, Rainha, quem rolou aos meus pés, quando nos defrontámos, e não eu aos teus!
 
Pentesileia:
   Monstro!
 
Aquiles:
   Suplico-te, bem amada! O próprio Crónida não poderia alterar o sucedido. Domina-te e escuta...
 
 
    Kleist, Heinrich von. Pentesileia. Porto: Porto Editora, 2003, pp 149 - 152.
.
.