segunda-feira, 20 de outubro de 2014



O que aconteceu então foi que os juízes de primeira instância, ao se aperceberem dos exageros da acusação e não querendo fazer de Eichmann o superior de Himmler e o inspirador de Hitler, se viram numa posição em que eram obrigados a defender o réu. Esta obrigação, por muito desagradável que fosse, não teve qualquer influência nem no veredicto, nem na sentença, pois " a responsabilidade moral e legal daquele que manda a vítima para a morte não é, no nosso entender, menor, e talvez até seja maior, do que a responsabilidade daqueles que a executam."
     Para fazer face a todas estas dificuldades, os juízes encontraram uma solução de compromisso. O veredito divide-se em duas partes (...) e mostraram a sua intenção de se concentrar naquilo que Eichmann tinha feito e não naquilo que os judeus tinham sofrido. Numa óbvia reprimenda à acusação, os juízes declararam explicitamente que um sofrimento daquela dimensão estava "para além da compreensão humana", que era matéria para "os grandes poetas e escritores" e não podia ser tratada numa sala de tribunal. Em contrapartida, os actos e os móbiles que o tinham causado estavam aquém da compreensão humana e eram, esses sim, susceptíveis de ser julgados. Chegaram ao ponto de declarar que tirariam as suas conclusões a partir da sua própria apresentação dos factos (...) Trataram de adquirir um domínio sólido da intrincada organização burocrática que estava por trás da máquina de destruição nazi, por forma a conseguirem perceber claramente qual era a posição do arguido.




  Arendt, Hannah. Eichmann em Jerusalém, uma reportagem sobre a banalidade do mal. Coimbra: Edições Tenacitas, 2003, pp 282 - 283.
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