sábado, 13 de junho de 2015



   O meu desconsolo parece-me, às vezes, não ter fundamento nem valor ao pé do da I. Acho-a sem resistência, desorientada! E a sua confusão perturba-me. É absurdo o seu desejo de vingança; uma saída impraticável da sua má vida. Vingar-se, mas de quem ou de quê? De si própria?
   O que sentimos e a que chamamos mal, de onde nos vem? Penso frequentemente que de nós próprios. Da nossa inconsciência ou fraqueza, da insuficiente oposição que fazemos aos outros, aos nossos exploradores, do nosso pouco tacto e arte de premeditação, etc. Mas também penso que os próprios fortes são vencidos, que também são desmoralizados... O acaso rege francamente as vidas? É provável! (...)
   Hoje é quinta-feira. Um dia qualquer...
   Mas tenho ainda viva em mim uma simples hora do dia de ontem. Passageira.
   Começava a escurecer. Ia pelo corredor e encostei-me à ombreira da porta. E tive vontade de dizer: (mas a quem? nem sequer o sabia!). Vê, olha comigo... deixa-me descansar em ti este espírito e este corpo mole...
   Uma mulher deve naturalmente nascer e morrer a dizer destas coisas, em mente, até se cansar...
   Encostada ali àquela porta, que estava eu, sem querer, figurando? A eterna insegurança, o eterno desejo.
   A vida corria, desdobrava-se, dava sinais de si por lugares que eu desconhecia, em que não tinha acolhida... Escapava-se-me, como sempre.
   Se eu pudesse explicar bem os meus apetites... que quereria naquele momento? Nada! Creio que nada. Como tantas vezes, tinha vontade de chorar, de me cansar, sobretudo.
   Aquelas luzes da cidade a acender-se, a acompanhar-me... friamente, elegantemente!
   E eu, uma mulher, um ser íntegro, vivo, encostada para ali à ombreira de uma porta! Longe de mim todas as correspondências. Longe, ou impossíveis!  


  Lisboa, Irene. Obras de Irene Lisboa, Volume II - Solidão. Lisboa: Editorial Presença, 1992, pp 41 - 42.
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