quarta-feira, 10 de setembro de 2014



     " Matéria do Presente "




O passado é o abstrato
oceano por onde navego
remando contra a corrente
no à deriva dos anos.
As recordações? Perdidas
ilhas em que munida
de sobrevivente fúria
aporto e zás transformo
em extensos continentes
boiando no abismo do tempo.


       O passado é porta
       que não mais se abre:
       além os estáticos aposentos
       totalmente intocáveis.
       Recordações? Reconstruções
       de retardada sabedoria?
       Simples matéria do presente
       - atuais tentativas contra
       a maçaneta resistente.


Não mais acalento o amanhã
chão de esperanças plantado.
Em obscuros prazos e rasos
destinos o futuro esgotará
a vida embrulhando-se de luto
entre outras lindas lãs.
Meu reino o íngreme presente
onde no abismo me equilibro
vacinada contra a sede do sempre.
Frágil, efêmera e contudo viva.


      Se o amanhã não me pertence
      negando-me o vasto regaço
      minha é a manhã em que planto
      e canto e verto meu pranto
      com a dimensão deste corpo
      pulsando em louvor do instante.
      Manto de sombras, descarto
      a noite morta a meu ombro.
      O que é meu é tão só o agora
      provisório jardim onde o sol
      mora como se fora eterno.




     Cabral, Astrid. 50 Poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2008, pp 17 - 18.
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