sexta-feira, 26 de setembro de 2014





     " Poema para um tempo depois "




                              para Donizete Galvão, in memoriam






Sento-me no murete da praia,
na esquina mais áspera da Marginal:
o trânsito - revolto - mistura-se
com a dança sincopada das gaivotas,
com o estridente desnorte
das andorinhas-do-mar
e com esta ausência num cais
de esplanadas desertas,
onde os barcos ainda se anunciam
despovoados de carga e de gentes.


Sento-me nas dobras enegrecidas
da memória com o olhar férvido
dos motoristas a vigiar-me,
com os dedos ensanguentados
num folhear de esperas há muito
sem sentido. Sento-me e a tarde
abre-se-me num apático vaguear
de fluidas silhuetas, com a premência
deste sol a abater-se sobre mim
repleto de promessas - mas podre.




                     


Mateus, Victor Oliveira. Outras Ruminações, 75 poetas e a poesia de Donizete Galvão. São Paulo: Dobra Editorial, 2014, p 114 (Antologia organizada por: Reynaldo Damazio, Ruy Proença e Tarso de Melo).
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