terça-feira, 28 de abril de 2015







XXVII

   O homem veio afinal com sua indumentária preta. Veio lá dos lados da Foz, que mais pormenores não tínhamos nem queríamos. Encontrou-se connosco na esplanada onde a velha me seduzia c’um seu carago. O homem faria inveja a Cervantes – sussurraste-me -, pela sua viseira igualmente preta, sua BMW K1600 GT, seus moinhos de vento mesmo ali na Rotunda da Boa Vista. O homem saltou da mota e a velha, qual Dulcineia finalmente rendida, disse outra vez c’um carago. O homem entregou-nos a chave (a chave ou o elmo de oiro de Mambrino?) e apontou-nos o apartamento, lá para trás da Casa da Música. Sentimos no ar qualquer coisa de tráfico, de obsceno. Pediste-lhe o recibo, mas ele disse que depois, que depois porque Rocinante estava mal estacionado. Mercado negro!, concluíste, mas eu já não ouvia resmungos, tão à parte me sentia: Cavaleiro dos Espelhos, com escudeiro tão fiel, não é coisa normal em tempos sem branco nem lei.

  Mateus, Victor Oliveira. Negro Marfim. Fafe: Editora Labirinto, 2015, p 42 (Prefácio: Miguel Real;  Inventario de Inquietações: Texto de Ronaldo Cagiano).
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