XXVII
O homem veio afinal com sua indumentária preta. Veio lá dos lados da Foz, que
mais pormenores não tínhamos nem queríamos. Encontrou-se connosco na esplanada
onde a velha me seduzia c’um seu carago. O
homem faria inveja a Cervantes – sussurraste-me -, pela sua viseira igualmente
preta, sua BMW K1600 GT, seus moinhos de vento mesmo ali na Rotunda da Boa
Vista. O homem saltou da mota e a velha, qual Dulcineia finalmente rendida,
disse outra vez c’um carago. O homem
entregou-nos a chave (a chave ou o elmo de oiro de Mambrino?) e apontou-nos o
apartamento, lá para trás da Casa da Música. Sentimos no ar qualquer coisa de
tráfico, de obsceno. Pediste-lhe o recibo, mas ele disse que depois, que depois
porque Rocinante estava mal estacionado. Mercado negro!, concluíste, mas eu já
não ouvia resmungos, tão à parte me sentia: Cavaleiro dos Espelhos, com
escudeiro tão fiel, não é coisa normal em tempos sem branco nem lei.
Mateus, Victor Oliveira. Negro Marfim. Fafe: Editora Labirinto, 2015, p 42 (Prefácio: Miguel Real; Inventario de Inquietações: Texto de Ronaldo Cagiano).
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