terça-feira, 6 de janeiro de 2015



   - Está? É a Bea, por favor deixe mensagem.
   - É o pai, querida. Só estou a telefonar para dizer olá. E para te dizer...
   Antes de ter tempo para dizer "que te adoro", ela atende.
   - Pai?
   Meu Deus.
   Olá. Então? Pensei que devias estar a trabalhar.
   - Mandaram-me para casa porque esta noite não havia muito movimento.
   - Bom, muito bem.
   Está tão nervoso como na primeira vez em que ligou a Rebecca para a convidar para sair(...)
   - Acho que a minha ideia era deixar-te uma mensagem simpática.
   - Porquê esta noite? (...)
   - Podia ligar uma noite qualquer, querida. Acho que esta noite estou a pensar em ti.
   Não, estás sempre a pensar nela. Porque se parece esta conversa com um namoro que não está a correr bem?
   - Já é tarde e ainda estás a pé - diz ela. - Estás na rua? Pelo som, parece que estás na rua.
   - Pois estou. Não conseguia dormir. Vim dar um passeio. (...)
   - Estás preocupado com alguma coisa?
   - Não mais do que o habitual.
   - Pareces preocupado com qualquer coisa.
   Peter reprime o impulso de desligar. Quem tem mais poder do que um filho? Ela pode chegar ao limite da crueldade (...)
   - E outra coisa - diz ele -, o irmão da tua mãe é uma boa peça.
   - Ah, sim, o Dizzy. É um menino mimado.
   - É mesmo.
   - E por isso pensaste que seria um belo contraste falar com a tua filha feliz e adaptada.
   Por favor, Bea. Tem dó.
   Mas os filhos são implacáveis, não são? Tinhas dó dos teus pais, Peter?
   Nem sequer para si mesmo é convincente a risada baixa que se força a emitir.
   - Nunca te pediria nada tão impossível como seres feliz ou adaptada - responde.




   Cunningham, Michael. Ao cair da noite. Lisboa: Gradiva, 2010, pp 170 - 174.
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