domingo, 11 de janeiro de 2015



   Quando o filme termina, Rebecca vai à cozinha buscar a sobremesa. Peter e Mizzy estão sentados lado a lado no sofá. Mizzy envolve com um braço os ombros de Peter, num gesto de camaradagem.
   - Ei - diz ele.
   - Adoro este filme - diz Peter.
   - Adoras-me a mim?
   - Chiu.
   - Então acena só com a cabeça.
   Peter hesita e faz um aceno afirmativo.
   Mizzy sussurra:
   -  És lindo meu.(...)
   - Não me trates por meu - diz Peter baixinho.
   - Está bem, és só lindo.
(...)
   - Então inventaste aquilo tudo? A história de...
   Não chores, imbecil. Não chores num Starbucks à frente deste rapaz sem coração.
   - Oh, não - diz Mizzy. - Sempre tive um fraquinho por ti, não ia mentir acerca disso. Mas, calma aí. És o marido da minha irmã. (...)
   Queres apenas que eu impeça que as tuas irmãs te chateiem por causa das drogas. Tinhas de arranjar qualquer coisa contra mim, como garantia. (...)
   - Prometeste que não contavas à Rebecca.
   - Se prometeres que te despedes dela antes de ires.
(...) Um momento mais tarde. Uta aparece.
   - Que se passa, Peter?
   - Nada.
   - Vá lá.
   Conta-lhe. Conta a alguém.
   E ele diz:
   _ Acho que me apaixonei pelo irmão mais novo da minha mulher.
   Uta tem muito experiência na arte de se fingir pouco surpreendida.
   - Aquele miúdo? - pergunta.
   - É muito patético?- pergunta ele. - É muito estúpido, triste e patético?(...)
   - Estás a dizer que és homossexual?
   - Não sei (...) Não aconteceu nada. Só um beijo.
   - Um beijo é qualquer coisa (...) Sempre foste um apaixonado pela beleza em si. É uma coisa gira que tu tens.


   Cunningham, Michael. Ao cair da noite. Lisboa: Gradiva, 2012, pp 258 - 288.
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