domingo, 4 de janeiro de 2015


.
   Peter arrisca-se a deitar uma olhadela a Mizzy. Lá está ela de novo, a centelha de afinidade secreta. Somos nós - nós, os homens - que ficamos assustados, nervosos, que cometemos erros; se às vezes nos armamos em cépticos ou em dominadores é porque desconfiamos de que estamos errados de qualquer maneira profunda e incalculável, o que não acontece com as mulheres. Os papéis que representamos já não convencem ninguém, os nossos vícios e hábitos são ridículos e quando chegarmos às portas do céu a enorme mulher negra que as guarda rirá de nós, não só porque não somos inocentes, mas porque não fazemos ideia daquilo que é de facto importante.
   - Não sei - diz Rebecca com um suspiro. - Mas detesto que ela tenha ficado assim.
   - É o que acontece com a maioria das pessoas - diz Peter. - A maioria das pessoas acaba a querer filhos e uma casa bonita.
   - A Julie não é a maioria das pessoas.
  Hum. Outro desses momentos impossíveis de um casamento. Finge que estás de acordo se não queres arriscar uma implosão.
   - A maioria das pessoas pensa que não é a maioria das pessoas - insiste Peter.
   - É diferente quando se trata da tua irmã.
   - Estou a topar - diz Peter. Sabe que expressão deve assumir.




  Cunningham, Michael. Ao cair da noite. Lisboa: Gradiva, 2010, p 84.
.
.