Pedro tinha concluído o curso de Direito sem grandes dificuldades, estagiado num advogado com algum nome na praça e agora tentava sobreviver com mais três colegas na selva da advocacia portuguesa. Estabeleceram-se num velho prédio de escritórios da baixa portuense, um terceiro andar decorado com muito bom gosto; uma recepção airosa, salas individuais, uma sala de reuniões, cozinha e casa de banho. Um luxo, diziam alguns (...).
A sexualidade de Pedro era conhecida mas todos respeitavam demasiado o seu trabalho para se deixarem nublar pelas habituais mesquinhices do diz-que-disse. Eram todos bons colegas, conviviam bastante bem e nunca deixavam as suas vidas privadas interferir no êxito do seu trabalho. Aliás, a vida privada de Pedro fora bastante útil à sua vida profissional (...)
Tocou o telefone
- Sim! - atendeu Pedro expectante.
- Olá, Capitão Romance! Ficou em casa?
- Olá, Henrique! Ligaste para o escritório?
- Claro que sim... pensei que tinhas ido trabalhar, mas pelos vistos ficaste em casa. Interrompo alguma coisita?
- Não, nada. O gajo não apareceu. Filho da puta, deixou-me pendurado.
- Ui! E não disse nada?
- Nada, o cabrão resolveu gozar com a minha cara! Estou super fodido (...).
- E ficaste em casa por causa disso? Pedro, tu não és homem de ficar assim por nada. Quantas vezes já deixaste outros na prancha? (...) Olha, mas deixemo-nos de falar do Rodrigo e voltemos ao assunto inicial. Então não foste trabalhar por causa da falta do outro?
- E parece-te pouco?
- Pouco não, mas exagerado sim. É um disparate que te deixes ir abaixo por uma merda de nada. Tu és mesmo de extremos, Pedro.
- Pois sou, e?
- E... nada, nada, já vi que toquei num botão. Deixa para lá.
Pedro, António. Maçãs de Adão. Porto: Campo das Letras, 2002, pp 78 - 82.
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