terça-feira, 22 de maio de 2018
Começar uma estrada
Eras tu que confundias o fundo
dos jardins com os vasto perfume
de uma estrada. A paisagem entretanto
libertava-se como uma espécie de segredo
que efervescesse num copo de água
e apesar do tempo severo das partículas
nós víamos de facto começar uma estrada.
Pergunto-me o que fizemos desses dias
alugados a uma melhor desconfiança,
o que foi que em nós escolheu
envelhecer sem ambição,
onde é que a noite parou de crescer,
em que consiste a música extrema
dos desembarques.
No fim, as flores aprenderam a prolongar
o frio das estátuas. A estrada perdeu-se
como alguém tinha previsto que o universo
se perderia se fosse por de mais escrutinado.
Os dias devoraram a paisagem.
E inadvertida, a tristeza afundou-se
no coração do matagal.
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Domingues, André. Tempestade das mãos. Coimbra: Debout Sur L'Oeuf, 2017, p 60.
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