segunda-feira, 28 de maio de 2018

( Do trabalho que se segue, que irá ser integrado na rubrica respetiva, perderam-se já o título e as primeiras páginas, contudo, consegue-se perceber que é um texto sobre a Ética a Nicómaco ).
.
.
(...)  até proporções do dever: o justo meio é o que deve procurar, sendo o homem virtuoso aquele que serve de padrão a toda uma valoração para aqueles que se esforçam por conseguir esse tão ansiado meio sem o conseguir.

 3.3. - A problemática da ação

 3.3.1. - Deliberação e Escolha

   Dentro da atividade virtuosa, não importa só o justo meio referido ao sujeito, mas igualmente toda uma forma específica de atuação do sujeito para com esse mesmo obeto.
   A deliberação é, por assim dizer, a etapa que precede o ato voluntário que caracteriza a escolha, sendo, portanto, esta última sempre fundamentada na razão, deliberada e refletida. "Mas, acerca das entidades eternas não pode haver deliberação" ( In Aristote, Éthique a Nicomeque, p 133) , por exemplo, não se pode deliberar acerca da ordem do mundo, nem tão-pouco nas ciências exatas, já que estas também se nos impõem pelo seu caráter de necessidade, sendo assim, delibera-se unicamente sobre o frequente mas incerto, ou seja, sobre o possível mas contingnente.
   Existem três fatores condicionantes da escolha e outros tantos orientando a respetiva repulsa:

Escolha - o bom, o útil, o agradável;

Repulsa - o árduo, o doloroso, o punível.

   A escolha, elemento primordial da moralidade, surge da imbricação do desejo e do intelecto, acabando sempre na dominação do primeiro pelo segundo, isto, aliás, tem levado alguns comentadores a rotularem a moral aristotélica, um tanto pejorativamente, de intelectualista , "o princípio da ação moral, é assim a livre escolha (...) e o da escolha é o desejo e a regra em direção a um fim. É, por isso, que a escolha não pode existir..." (In Aristote, Op. cit. p 278) nem sem o intelecto, nem sem uma disposição moral.
   A vida virtuosa é, por conseguinte, um fim para o qual tendem as nossas escolhas prudentemente elaboradas e, por sua vez, "a virtude moral assegura bem a retidão da escolha..." (In Aristote, Op. cit. p 309)

 3.3.2. - A Prudência

   A apreciação que em Aristóteles inspira as deliberações e as decisões é o que nós designamos por prudência .Não podendo ser aplicada ao domínio do necessário, a prudência não é nem uma ciência nem uma arte, é "(...) uma disposição, acompanhada de regra verdadeira, capaz de agir na esfera do que é bom ou mau para um ser humano" ( In Aristote, Op. cit. p 286), se, portanto, o que é bom e são difere de homem  para homem, enquanto que o branco ou o retilíneo se mantém invariável, reconhece-se então que ser-se sábio só poderá ser de um modo único, enquanto que a designação de homem prudente é sempre variável (Cf. 3.2. onde se fala do relativismo referente ao justo meio ) .
   A prudência relaciona-se com as coisas humanas e que são susceptíveis de deliberação, por conseguinte, o homem prudente tem por objetivo deliberar corretamente. Qual a relação da virtude moral com a prudência? Com efeito, aquela assegura a retidão do objetivo a alcançar, enquanto que a prudência nos facilita os meios para aí chegarmos. Aquele que delibera corretamente é o que se esforça sempre por atingir o melhor bem, que é, como já vimos a Felicidade.

  4. - Felicidade e Contemplação

  4.1. - Teorização da Felicidade

   Antes de se concretizar a definição da Felicidade iniciada no Capítulo 2, façamos um breve balanço do que tem vindo a ser dito: indicaram-se algumas características da Felicidade, como sendo um Ben que se basta a si próprio, que é desejável apenas por si, que é complementado por um  certo prazer e, acima de tudo, que se identifica com uma atividade concordante com uma virtude perfeita. Clarificámos seguidamente - ainda que de forma breve - alguns conceitos: virtude, ação, etc. crê-se, portanto, poder agora concluir o que se nos deparou acerca desta problemática.
   Se, conforme se viu, a Felicidade se identificava, ou melhor: era fruto da virtude e que esta pode ser de pensamento (sujeita a ensinamento) e moral (produto de um certo hábito), vejamos ainda que tudo isto se encontra articulado com a constituição da alma humana:


Alma ............ parte racional: a que possui em si razão; a que não faz mais do que obedecer.
          ........... parte irracional: parte desejante (que participa já de um certo grau de razão); parte
                      vegetativa.
(Cf. Éthique a Nicomaque ,pp 83-86)

   Estando a parte desejante sempre sujeita às admoestações da parte racional, é exatmente nesta última que, ao mais alto grau, se processa essa atividade que está mais conforme com o homem: a Contemplação!, à qual acede o sábio, ou seja, o homem virtuoso. É, portanto, a Contemplação (que não é uma mera disposição, mas uma atividade!) a tal atuação adequada à virtude do próprio homem, "pois parece que o intelecto constitui o próprio ser de cada homem, ou, pelo menos, a sua parte principal" (In Aristote, Op. cit. p 444), uma vida de acordo com essa parte privilegiada será necessariamente a mais nobre para o homem. Articulando esta teoria com o esquema da alma indicado, poderemos dizer com Aristóteles: "Mas se a Felicidade é uma atividade conforme à virtude, é racional que seja uma atividade conforme à mais alta virtude e esta, por sua vez, será a virtude da parte mais nobre de nós" (In Aristote, Op. cit p 508): o intelecto.
   Mas, para conseguir esta Felicidade, tem o homem virtuoso ( o sábio) de se isolar do todo social? De se privar de amizades?

  4.2. - Uma coadjuvante: a Amizade

   Uma das questões mais polémicas na ética aristotélica é exatamente a virtude moral da amizade, dependente, evidentemente, de uma virtude de pensamento , é esta articulação que leva Aristóteles a um estudo sobre o amor próprio: Platão condenara-o como a causa da perversidade moral, mas este filósofo "(...) vê nele o verdadeiro princípio do altruísmo... " (esta citação refere-se à pagina 28 de uma obra de Leon Robin, mas, pelo que se disse no início deste estudo, não é possível saber ao certo que obra será!).
   A amizade é agora, não só uma condição da Felicidade, mas até o próprio coroar de toda uma opção ética, aliás, "(...) pareceria estranho que atribuindo todos os bens ao homem feliz, se lhe negassem os amigos, cuja posse é, ordinariamente, considerada como o maior dos bens exteriores" (In Aristote, Op. cit. p 461).
   A vida do homem feliz deve ser uma atividade simultaneamente contínua e agradável e, para tal, ele procurará estabelecer com os seus amigos um diálogo frutífero. Esta relação assemelha-se a um intercâmbio, mas... o sábio sendo feliz de nada mais precisa já, então, o amigo só pode ser uma espécie de um seu desdobramento, uma outra face de si. Quando o homem virtuoso proporciona o enriquecimento desse outro ele mesmo que é o seu amigo é a si que tem em vista, sendo o contrário igualmente verdadeiro. Vê-se, pois, que para o sábio egoísmo e altruísmo têm entre si uma relação dialógica, são duas faces de uma mesma medalha, e que a amizade verdadeira tem um caráter de necessidade para a conclusão da Felicidade, não podendo, no entanto, ser experimentada por quantos vivem sob o domínio da perversão, já que estes "(...) não tendo em si nada de amável, não têm nenhum sentimento de afeição por si mesmos"  (In Atistote, Op. cit. p 446), mas só podendo ser vivida pelos homens virtuosos

  4.3. - Por uma Ética comprometida

   "Mas o sábio terá também necessidade de prosperidade exterior, pois é um homem" (In Aristote, Op. cit. p 519) e, como tal, precida de receber alimentos, que o seu corpo esteja de perfeita saúde, enfim, que muitas atividades concorram para sua Felicidade. Ora, isso só será possível em sociedade! É absurdo querer fazer "(...) do homem perfeitamente feliz um solitário (..:) porque (ele) é um ser político e naturalmente feito para viver em sociedade" (In Aristote, Op.cit. p 461), assim, devem concorrer para a Felicidade do homem virtuoso: os escravos, artesãos, comerciantes, camponeses e, de um modo geral, todos quantos para quem o problema da Felicidade não se põe, queremos dizer incluindo também as crianças e as mulheres.
   A vida contemplativa é levada dentro da cidade antiga - estamos ainda longe da noção de sábio estóica - mas, no entanto, essa cidade ter-se-.á de pautar por fatores de dois tipos: uma atividade legislativa que incentive a prática da virtude e preocupações de tipo urbanístico e social, pois, " se dez homens não chegam para constituírem uma cidade, cem mil não podem também formá-la" (In Aristote, Op. cit. p 469), é necessariamente ver aqui a articulação entre a vida urbana e a vida dedicada à atividade do espírito. É ainda sob a preocupação de que a vida intelectual se não disperse, que Aristóteles acaba limitando o número de amizades e que estes amigos mantenham entre si as mesmas relações que têm connosco, isso evitará uma degradação - e respetiva alienação - de um relacionamento virtuoso.
   Igualmente de considerar é o posicionamento deste autor relativamente aos políticos do seu tempo: Filipe da Macedónia, Alexandre o Grande, etc.,, não esquecendo a conspiração levada a cabo para assassinar Alexandre - que fora seu aluno - e em que estiveram envolvidos familiares de Aristóteles... aliás, para uma filosofia política que defendia a pequena cidade como poderia ser admitido o imperialismo de grandes monarcas?
.
.
© Victor Oliveira Mateus (anos 70/ 80)
.
.
.