quinta-feira, 17 de maio de 2018



      O vento bate na porta
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O vento bate na porta
e eu, que te espero, me engano.
Fico às vezes quase morta,
com medo de um desengano.

Desço escadas. Subo e desço.
- Quem virá antes de ti? -
Este mal eu não mereço,
pois já de tudo sofri.

O meu sonho cresce e aumenta.
Cria asas. Sai à rua.
A noite está sonolenta.
Viajo da terra até à lua.

E vou seguindo teus passos.
E tu nem sonhas sequer.
Corto o corpo em mil pedaços:
sou nuvem, vento e mulher.

Por que estás tão pensativo,
caminhando sem parar?
Da inquietação o motivo
ai! procuro adivinhar.

Essa rua está escura,
como as idéias que levas.
A minha grande amargura
vestiu a noite de trevas!

Pára um pouco. Estou cansada.
Aqui há um banco - "Não sentas?" -
Vamos ver a madrugada
e as horas fugirem lentas.

Se o frio castigar teu rosto,
sou nuvem: Farei um manto.
Não terás nenhum desgosto,
nem um motivo de pranto.

Se precisares de ar,
sou vento brando e amigo.
É um repouso este lugar.
Descansa aqui neste abrigo.

Depois virá a madrugada.
Tu poderás regressar.
Ficarei triste e calada,
como uma rua ao luar...


 Ripoll, Lila. Obra Completa. Porto Alegre: Editora Movimento, 1998, pp 80-81 (Organização de Alice Campos Moreira).
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