domingo, 2 de fevereiro de 2014






                      Clitemnestra em Berlim
.
.
Este é o tempo das presas nunca saciadas. Das presenças
homicidas com que a sofreguidão enfeita minha vontade
sem impedimentos nem freio. Este é o tempo que sempre
quis: com o corpo apunhalado de Agamenón a meus pés,
os meus filhos como servos andrajosos, a minha cidade
aferrolhada no medo e o meu povo punido a rigor,
por essas virtudes - tão avessas à inclemência – com que


pintava sua felicidade de rebanho, sua rotina de escumalha
débil e incapaz, e que não merece perdurar nesta seleção
que astutamente para todos decidi. Este é o tempo
ao contrário do sol, ao contrário do ritmo das marés,
da luminosidade cíclica da lua e das obsoletas migrações
dos pássaros. Tempo de avidez, de força, desse ajuste
de contas que finalmente colocará Esparta no topo do mundo


e que nenhuma prece ou imprecação fará vacilar, nem tão-pouco
os cadáveres que meus seguidores amontoam desde o fedor
da Ágora ao brilho de Alexanderplatz. Este é o tempo sem
sossego dos que conseguem! O tempo dos vencedores:
voraz, ardiloso, sem escrúpulos. Um tempo que poderia até ser
figura do absoluto, não fossem os passos de Orestes, que,
justiceiros, tingirão- uma vez mais- a minha pátria de luto.



                         Mateus, Victor Oliveira. Cintilações da Sombra 2, Antologia Poética. Fafe: Editora Labirinto, 2014, p 87 ( Coordenação: Victor Oliveira Mateus).
.
.