sábado, 15 de fevereiro de 2014



         "  Diferido  "


Na tarde em que te contei
que o meu poema não
tinha entrado na antologia
acabámos por ir comer
sável a um desses restaurantes
onde os homens se amontoam
ao balcão, de olhos humedecidos pela
corrida de touros que dá em diferido,
e pedem mais garrafas de cerveja
porque chove sempre ao domingo.

Deixei-me dormente a olhar para a tua nuca
à hora em que fazias a sesta ( acho que já te
disse que não lido bem com tanto abandono).
Com a mão livre que tinha escrevi
no recibo amarrotado "príncipe tolhido
em alta noite num canto de prata"
na esperança (falível, eu sei)
de que me fosses entender.

Esguios entre a frequência da chuva.
o dono do restaurante e um empregado sisudo
arrastaram as velhas grades, os caixotes do lixo,
ruído suficiente para estremeceres,
para desconfiares dos meus gestos.
Tenho também a certeza de que adormeci
um pouco antes de acordares.


   Pedreira, Frederico. Doze Passos Atrás. Lisboa: Artefacto, 2013, p 62.
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