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segunda-feira, 15 de maio de 2017
"Elegia de Varna"
Sinto que algo ficou irrealizado em mim.
Nota que vibraria o meu ser íntegro como um sino
e que não se feriu.
Adivinho-lhe a corda oxidando-me o peito.
Tocá-la tornaria os veios de ferrugem
nos rios mágicos do êxtase
e então eu seria eu
e não esta véspera encolhida,
este quase a medo murmurado,
este querer que se tolhe ante a areia dourada,
este silêncio náufrago,
esta solidão esmagada de estrelas.
E então eu seria eu
e tu, e sim, e além.
Não seria este não que sequer se profere
e que sobre o Mar Negro, hoje branco de fúria,
fita, desesperado, a gaivota que ousa
solitária
o mergulho.
Sinto que algo deixou de realizar-se em mim,
e esta falta grita e queima e consome.
Sigo nau incompleta, vento coxo, canto
falhado
e despedaço as asas poderosas
no abjeto cais das ânsias.
Sinto que algo ficou irrealizado em mim,
e esta página branca invade o meu ser.
Horta, Anderson Braga. 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2003, p 32.
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domingo, 14 de maio de 2017
"Mentateuco"
Orgulho-me de minha mente.
Eis aqui um aparelho bastante razoável,
capaz de produzir confusões bastante sutis,
talvez aliciadoras,
talvez cheias de ritmo e de harmonia.
Vítima
de concussão vocacional,
sintonizado para a metafísica,
as construções Ideais
fora do tempo e do espaço,
num mundo tão espacial, tão temporal,
tão antimetafísico.
Tenho muito orgulho desta mente
que nenhum computador ainda igualou,
e não igualará.
Menta, mentol, mentx, mentiras -
tudo invento e manipulo e transcendo -
e pimentas, e exp'rimentos, e améns.
Sobretudo comento
o evento, e o momento,
e imito
e me lamento, ou não
me lá mento.
Sim, sim, me orgulho-me de minha mente.
Um portento!
E no entanto
bem sinto, meio tonto, que aqui junto
a minha mente é um muro lutulento
tolhendo o céu, o mar, o espanto, o vento.
Horta, Anderson Braga, 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2003, p 26.
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