domingo, 14 de maio de 2017
"Mentateuco"
Orgulho-me de minha mente.
Eis aqui um aparelho bastante razoável,
capaz de produzir confusões bastante sutis,
talvez aliciadoras,
talvez cheias de ritmo e de harmonia.
Vítima
de concussão vocacional,
sintonizado para a metafísica,
as construções Ideais
fora do tempo e do espaço,
num mundo tão espacial, tão temporal,
tão antimetafísico.
Tenho muito orgulho desta mente
que nenhum computador ainda igualou,
e não igualará.
Menta, mentol, mentx, mentiras -
tudo invento e manipulo e transcendo -
e pimentas, e exp'rimentos, e améns.
Sobretudo comento
o evento, e o momento,
e imito
e me lamento, ou não
me lá mento.
Sim, sim, me orgulho-me de minha mente.
Um portento!
E no entanto
bem sinto, meio tonto, que aqui junto
a minha mente é um muro lutulento
tolhendo o céu, o mar, o espanto, o vento.
Horta, Anderson Braga, 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2003, p 26.
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