sexta-feira, 7 de julho de 2017
"O Reincidente"
Tenho a sensação constante do equívoco, como o ladrar
esquartejado de um cão sobre um fundo de lamentos e
espadas. Assisto, impávido, ao suicídio sumário das horas
que não me pertencem. Às vezes apetece-me encostar um
fósforo aceso ao mundo, mas o mundo despreza esta e outras
formas de sagacidade. Acordo em completo desacordo com a
minha condição. Acordo em consonância com a velocidade
e a desfocagem, como se pertencesse à casta mais baixa de
uma colónia de térmitas. Acordo completamente cego. Sem
asas. Vitalmente imaturo. Predestinado para a concepção
honrosa de túneis, apto para descobrir água e alimento,
sempre com o cuidado de zelar pela alta eficácia do
reino. Acordo, acordo sempre de tudo, mas nunca desperto
de nada.
Domingues, André. Dramas de Companhia. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2016, p 40.
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