domingo, 17 de setembro de 2017


   Monólogo Improvável


                                 Para K


Por mais que te olhe o rosto
e aguarde pacientemente que os portões
se abram, o enigma não se aclara
poderia manter-me dias e dias
e noites sem tempo,
e sei que apenas ouviria
o crescer das ervas
ou o vento soprando do Norte.

Já perdi a conta dos dias
e dos anos que esperei
como quem aguarda o nada ou a sombra
e desesperei, mas o tempo,
com as suas invisíveis asas
acabou por triunfar.

Poderia ser Joseph K
ou qualquer outro que espera
o que não chega nem se revela
o que pergunta e nunca ouve
o que sonha e guarda fantasmas
o que ouve vozes perdidas no nevoeiro.

Por mais que te olhe o rosto
em busca de sinais
é essa ausência que me faz cair
para fora da língua,
um vazio que nos espreita
e só a espera ou
uma certa forma de loucura
me embala, essa raíz antiga
e sem nome, que cresce
para dentro da terra.


   Cantinho, Maria João. Do Ínfimo. S/c.: Coisas de Ler, 2016, pp 17-18.
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