sexta-feira, 12 de agosto de 2016
Excerto do " Canto XIX - Ao Conde Carlo Pepoli "
(...)
Aquele a quem o culto das vestes e cabelos
e dos gestos e dos passos e os vãos cuidados (1)
de coches e cavalos, e as concorridas
salas, e as buliçosas praças, e os jardins,
aquele a quem jogos e cenas e cobiçados bailes
ocupam a noite e o dia; esse de cujos lábios
não se aparta o sorriso; ai, mas no peito,
no íntimo do peito, grave, fixa imóvel,
como coluna adamantina, mora
tédio imortal, contra o qual nada pode
vigor da juventude, e nem doce palavra
de rosados lábios a derruba,
nem o olhar terno, trémulo,
de duas negras pupilas, o olhar querido,
das coisas mortais a mais digna do céu.
Outros, como para evitar a triste
sorte humana, a mudar terras e climas
o tempo consumindo, e por mares e montes errando,
todo o orbe percorrem, os confins
dos espaços que ao homem nos infinitos
campos de par em par a natureza abriu
peregrinando alcançam. Aí, ai, sentou-se
na alta proa o negro cuidado (2), e sob
qualquer clima, qualquer céu, em vão se invoca
a felicidade, vive e reina a tristeza.
(1) As ocupações frívolas;
(2) O tédio.
Leopardi, Giacomo. Cantos. Porto: Asa Editores, 2005., pp. 147-149 ( Tradução, apresentação e notas de Albano Martins).
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