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" UMA VOZ SOLITÁRIA "
) 1 (
Solidão.
Couraça.
Sou um teu sobrevivente.
O outro que restava
morreu lá longe
quando viu os pássaros acasalarem.
Solidão.
Amarra.
Sou o teu salvo-conduto.
Vou, transido de medo,
por essas veredas
onde apenas parece ouvir-se
como imploram, no vento,
as brisas que insistem em amar-se.
) 2 (
Acompanho-me.
Faço-me outras gentes.
Vou-me repartindo.
Dou-me medo neste só
e procuro-me, sabendo
que não há forma
de que as mesas, por exemplo,
me sejam companhia.
Nem que o amor o seja.
Só este corpo inaudito em que sou
como carne
a que este sangue acrescenta o que sou
como vinho.
) 3 (
Passo a noite no cais
junto ao cão de três cabeças.
Caminhamos firmes
rumo à estação seguinte
onde ainda permanecem as folhas
do último outono.
) 4 (
Vale mais estar só do que muito só.
Demora mais o só a sair de sua ausência
do que uma agulha a atravessar os poros de uma palha.
) 5 (
Nos dias de hoje até o céu
anda com uma solidão de tal modo azul
que se dispersa.
) 6 (
Aqui me reconheço: sou como barro
que quis ser vasilha e acabou testemunho
de um ser em mim feito postigo
nesta portinhola a que me amarro
Aqui sou outra coisa que tanto temo.
Sou uma solidão que grita desenfreada,
que vibra como o mar enquanto te apequenas
em plena tempestade de um céu ameaçador.
Vejo-me como vala de uma esquina
enredada ao longo da espinha
para iludir a emoção.
E no meio deste frio que é a vida
através da minha sombra ainda indefinida
cresce-me este outro eu no coração.
) 7 (
Tudo: as malas. Os corpos.
As tapeçarias. A areia. Os risos.
O condor. O jaguar. Os vasos com sede.
A sede dos castanheiros.
A macieira fustigada pelo inverno.
Tudo: até o mosquito que nos perturba
o sono, tudo se vai, definitivamente,
para a teia sem saída da solidão.
) 8 (
Que o solitário abra o mar de Moisés
e se afogue
nesse acontecimento.
Que nem sequer tenha tempo de olhar para trás
porque aí se converteria em estátua de sal
e estaria mais só do que nunca.
Mesmo que por pombas estivesse acompanhado.
) 9 (
Virá a morte
e a solidão far-se-á
o menos profundo dos mistérios.
Troncoso, Xavier Oquendo. Cintilações: Revista de Poesia e Ensaio, Nº 1 setembro 2016.. Fafe: Editora Labirinto, 2016, pp 91 - 94 ( Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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