quinta-feira, 8 de março de 2018



vem buscar-me as mãos a noite já aceitou a minha tristeza
tenho esta sede como um delírio na duna frágil do cansaço

atravessa o livro que deixei aberto no chão (o último poema)
que eu tenho frio e não sei se encontro asas para regressar

preciso da tua retina aguada da tua estrela tão deslumbrada
do pontão atravessando a reluzente volúpia dos segredos
da sinceridade com que falas às cinzas azuis dos sonhos

a noite entrou no meu orvalho e bebeu a vida que restava
que mais posso eu guardar em minha boca que não arda?
que cintura delicada que fulguração que volúvel lucidez
me cerca agora que todo o imponderável infinito é tranquilo?

traz-me os aluviões do teu estuário vem buscar-me agora
sentiste o meu grito? venceu o olvido vazio que nos separa?

sê tu a água que me desata o olhar a mão que me acorda
um beijo flutuando com esta música no trapézio da manhã


 Gonçalves, Daniel. dez anos de solidão. Fafe: Editora Labirinto, 2007, p 178.
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