Sempre e em qualquer lado, Montaigne procurou a liberdade e a renovação, mas a família também ela é uma prisão, o casamento uma monotonia e além disso, tem-se a perceção de que não foi plenamente feliz na sua vida familiar. "O casamento" pensa ele, "tem em si legitimidade, utilidade, estabilidade e honra: é algo de trivial e de universal." Ora Montaigne é o homem da mudança, ele nunca amou os prazeres comuns universais.
De formas diversas, repetiu que o seu casamento não foi uma união de amor mas de conveniência e, na sua opinião, este tipo de união é a correta, precisando que apenas se sujeitou a um "hábito" (...).
Depois das suas experiências com Xantipa, Sócrates não podia falar de casamento da maneira mais crítica: "Não dês importância aos seus olhos com lágrimas" nem à sua voz piedosa. Parece que estamos a ouvi-lo dizer à própria mulher, no momento da despedida: "Uma mulher não deve ter os olhos tão avidamente fixados no marido que não possa suportar vê-lo virar as costas." Quando, por acaso, evoca um bom casamento, apressa-se a acrescentar a restrição: "Se é que os há!"
Vê-se que os dez anos de solidão foram agradáveis mas agora já chega, é até demasiado. Montaigne parece estar entorpecido, ter-se tornado mais magro e mais pequeno e, se alguém lutou toda a vida contra a imobilidade foi ele, por certo. Com aquele instinto que sempre dita ao homem criativo quando deve mudar de vida, reconhece que esse momento chegou: "O melhor tempo de abandonar a família é quando se tiver feito tudo para que continue sem nós. " (...)
Um novo período começa. A 22 de junho de 1580, depois de um retiro voluntário de dez anos - Montaigne nunca fez outra coisa senão a sua livre vontade -, aos quarenta e oito anos parte para uma viagem que o afastará, durante quase dois anos, da família, da torre, da pátria e do trabalho mas reaproximá-lo-á de si próprio.
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Zweig, Stefan. Montaigne. Porto: Assírio & Alvim, 2016, pp 73-74.
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