quinta-feira, 19 de abril de 2018



           O Anjo de Música

                      I

Quando ficarei eu, por fim, sempre contigo?
Faz já tantos anos que pairas
sobre o mar, sobre mim, debaixo dos céus.
Mas sempre te oiço ao longe, como música.

Hoje esperava-te aqui, junto à rebentação das ondas.
Apercebi-me de um aroma de algas assombrosas
e de um crepitar de conchas na brisa,
mas não te transformaste em Vénus a irromper,
Em outros dias volto as costas ao mar,
percorro os trilhos insondáveis do bosque,
e então, ao longe, brilhas, esvoaças.

Numa qualquer noite haveremos de nos encontrar.
Não sei se neste ou em qualquer outro mundo.
Terás a voz trémula, o pescoço branco,
e o mar, na penumbra, cheirará a flor de laranjeira.
Sonhamo-nos à distância para nos amarmos
e apenas nos amamos sonhando-nos.
Virá a noite em que beijarei este mistério.

Quando não te chamo, vens; se te chamo,
tudo fica noite a ferver em meu cérebro.
Quando serás, finalmente, música alcançada,
milagre de uma luz que se fez humana?
Julgas necessário condenar-te e condenar-me
a ser apenas uma mera música de luz?
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  Colinas, Antonio. El río de sombra - Treinta y cinco años de poesía, 1967-2002. Madrid: Visor Libros, 2004, pp 468-469 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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